O calor voltou com uma brutalidade assustadora.
O ar da respiração adquiriu a densidade do anis.
Viver fora das igrejas é má ideia.
Na rua, os cães alinham-se um a um em fileiras de sombra, como pensamentos.
Mostram a língua moribunda, presa de uma sede irreparável que só a amnésia saciaria.
Os homens mais velhos da vila, únicos que conservam o bom hábito do chapéu, sentam-se de boca aberta sob as latadas.
As moscas bordam-lhes os lábios brancos, que eles não enxotam nem sentem.
Um homem, de quem me disseram ter enlouquecido de propósito, diz boas-tardes boas-tardes boas-tardes a tudo o que mexa.
Passo por ele e retribuo-as.
O calor ondulou-me pregas de zinco na pele, fazendo-me pensar com dobradiças em vez de palavras.
Tenho saudades da chuva a dar no mar.
Tondela, tarde muito quente de 30 de Setembro de 2005
3 comentários:
Encontrei por indicação de outrém o blog.Saciou a saudade de um contacto mais próximo com quem baralha as letras como quem tem uma boa mão num poquér sem bluffs.
Obrigado Daniel
muito bom o cd. obrigado!
e este post então...
É escrever assim como quem tem palavras a nascer da palma da mão, não é Senhor?
Enviar um comentário