04/10/2005

Visão, Retrato e Moldura do Homem de Fato Cinza

Perante os teus olhos filmo a visão ambulatória do homem de fato cinza.
Ele ficou velho.
Fato inteiro de fazenda fina, de uma prata que pulsa conforme a luz do dia, a noite da lua e o néon das salas de fumo.
Vê a cabeça dele: farripas muito brancas e muito magras vassouram o crânio já museológico.
Vê a pele dele: manchas castanhas agarradas à pele de linfático.
A velhice enxugou-lhe os fluidos das articulações, de onde os gestos lhe resultam marionéticos.
Basta-te ver como se dão os passos dele, como limpam involuntariamente o chão arrastado.
Óculos de leitor do Jornal de Notícias, dedos nicotinos, joelhos agudos como flechas de osso.
Boca seca, pescoço rugoso e sanguíneo de peru apertado pelo tão impecável como implacável colarinho duro.
Casado há milhares de anos com a mesma mulher, a qual suporta a esta hora, em casa, na estufa anacrónica de Outubro, a asma invencível, a obesidade sem retorno e a flatulência regular do gato.
Vê tu como me olho eu nele.
Espero que não.



Tondela, tarde de 3 de Outubro de 2005

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Canzoada Assaltante