30/09/2005

Versos Contra a Poesia e Pouco a Favor da Vida

1
Ode Ornitológica


Codornizes farfalham folhas
secas, é o fim do verão.
Tu olhas, vês, tu olhas.
Livre de livros, desfolhas
a minha encadernação.

Deixa-me em paz. Liberta
livre quem gastar não podes.
É misericórdia. Acerta
bem mais quem deserta
da discórdia e das odes.

Oxalá de nada precises.
Que nada seja condição.
Toda a gente tem deslizes.
Até, claro, as perdizes
pobres e secas, findo o verão.

Botulho, noite de 24 de Setembro de 2005




2
Poema do Ano


Em Janeiro saio cedo. Regresso com lenha fresca e água quente.
Fevereiro, tenho sono e medo. Tenho a vida.
Março vem, parto eu. Fico longe até de mim. O cego pede que lhe dêem a esquina.
Em Abril, o Mais Velho foi-se embora. Disse até amanhã e não cumpriu.
Em Maio, tinha ido o Outro. Até amanhã o caraças.
Junho: lírios, delírios, delíquios. Um punho de sal que gema: um poema.
Julho, eu já não esperava nem atendia. Ganhava cada dia que perdia.
Agosto, não conto. D-existo. Sob o castanheiro, quieto, de pé, contando as couves com uma aritmética de rosas.
Em Setembro, que me acabe o velho caderno. Tenho um lápis novo.
Outubro, Novembro, Natal
- circularemos em frios automóveis,
médios acesos nos dias mínimos,
o que a gata tem crescido.

Botulho, noite de 26 de Setembro de 2005



3
Fazer Aquilo


Não acontece sempre.
Às vezes acontece.
Tenho uma vela vermelha.
Uma tenda de carne.
Um homem e uma mulher.
Saudação, exsudação.
A eminência, a iminência.
Unhas nas costas.
Gingar de ancas.
Empurrão, pão da boca.
Choupanas na neve.
Equadores de ventre,
entre faz favor.
Uma mulher e um homem.
Nem sempre.
Mas, às vezes, siameses.
Depois, o silêncio no pátio.
Lá fora, quase outubro.
Um véu de silêncio.
Tapo. Cubro. Descubro.
Escrevo. Trevo. Atrevo. Olha.

Botulho, noite de 26 de Setembro de 2005




4
Menino ou Menina

Sabe bem evocar.
Arrancar da voz.
Pés nus lavados a areia e sal.
Nenhuma tremura, então.
Ainda nenhuma perdição.
Dou água mineral ao lado.
Ela cresce na cal na luz na cal.
Tanta areia na praia: tempampulheta aos pés.
O marisco pobre (percebes, mexilhão)
cresce na rocha como uva em cacho.
É o ano décimo.
Ela azula, sem querer, o mundo.
Ela olha, assim azula.
Há um restaurante na costa.
Um rancho de norueguesas
envelhecidas como ostras de montra.
Não sabíamos.
Grave.
Nenhum susto, porém, nem
perdição também.
Eram os quatro pés escavando a areia: o tempo.
O mar de cimento.
Era o momento.
As coisas estavam para ali todas postas
como uma mesa
de hotel.
Não me doía nada.
Faltava-me a acidez.
Às vezes, a acidez é precisa.
Eu tinha um carro branco.
Eu tinha deixado o carro nas bombas.
O azul chegou a horas prometidas.
O caranguejo de pedra.
O cedro-do-líbano.
A dor igual: equa, égua, dor.
A montagem.
Azul, tão azul.
Todo o mar-oceano.
Lembro-me de uma parte de costa,
de costas.
Atlântica menina.
Senhor chofer, faz favor,
ponha o pé no acelerador.
Antropometria.
Ginometria.
O que desaparecia.
Era o tempo, era a hora,
mas agora tudo era eivado
de condições, por exemplo,
prestações
no banco
de areia
de sal e prata e ouro e nada,
nada, esqueci-me,
menino ou menina.

Botulho, noite de 26 de Setembro de 2005




5
Canção de Lx.


Um lance de rio Tejo.
Olha a Rocha do Conde d’Óbidos.
A circulação de tanto sangue.
Marinheiros alheios
vêm cá proceder a interacções
com putas tão nacionais como
brasileiras.
O Zé Viana já não vive.
Nem o Tony de Matos.
Nem a Beatriz Costa, sozinha no Hotel Tivoli.
Há um Carlos do Carmo.
Por que é que não um Carlos da Trindade?
Houve aqui alguém que se enganou.
Mas não, talvez não.
Talvez seja só a nossa natural condição.
Vocês já viram a paciência do Luxemburgo?
Com 30 e tal mil por cento de portugueses
e o futebol ainda não lhes é nacional
de bandeiras manjeriqueiras?
A maioria faz de Maria.
Poupa um i.
Poupa um ó.
Poupa é
uma rola encabrestada.
Morrem em casas senhoriais.
Nem mais.
Trouxe-nos uma coisa
que não é
uma trouxa d’ovos.
É para os ovos, Zé.
Estamos desiludidos, Tony.
Não fizemos nada.
Estamos fodidos, Beatriz.
Estamos aqui.

Botulho, noite de 26 de Setembro de 2005




6
Quadrinha para Azulejo


Nunca se sabe.
Tem-se uma ideia.
O lobo cabe?
Mais alcateia.

Pombal, tarde de 27 de Setembro de 2005

5 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Lindo.

Anónimo disse...

Gostei muito do Poema do Ano. Aproveito para solicitar a Vossa Excelência a permissão para publicar em pleno Porco o espantoso post-poema da gaja boa que me deu uma tusa do caraças. Pode ser, Dog?
Pigão

Daniel Abrunheiro disse...

Claro que sim, Pigão

Anónimo disse...

Bigado, mene. eu depois arranjo o boneco (a).
Pigão

Canzoada Assaltante