20/08/2021

PARNADA IDEMUNO - 723 & 724

© DA.

723

Quinta-feira,
19 de Agosto de 2021

    Circunstâncias acertadas devolveram-me hoje às ruas. Tive sorte: o corrente Agosto, ao menos pelo ocaso da tarde, não tem sido mortífero. Pelo contrário, a brisa do entardenoitecer é vivificante. Apanhei o 27 das 18h¼, depressa me vi de volta cumprida. Volteei em graça barata as cercanias da Baixa (Arnado, Bota-Abaixo), tomei café no Gerardo, estreei um bolígrafo novo (tinta preta, esta, carapaça de amarelo-torrado). Não se está mal na vicissitude. Passam airosamente donzelas frescas, quási por vestir, etérea gaze as nimba – e mocidade se chama tal éter. Vi o euromilhões, saiu-me ar. Sorri ante tal resultado: mas cheio de amargura metafísica foi o sorriso. Esqueci-me logo do falhanço, atraído que fui por alguns desses esquisitos bípedes tatuados. Antigamente, era exclusivo de reclusos prisionais & de marinheiros profissionais, isso de borrar o corpo com signos indeléveis à força de agulha-tinta. Agora, é moda dos sencientes antropóides. Uma gaja levava um santo brasileiro na espádua. O gajo dela tem inscrito no braço LOVE YOU MOM FOREVER. Estranha bicheza, estúpida moda. É como naquela anedota do gajo cuja piça, tatuada também, deixava ler: CÃO. Isto quando murcha. Quando erecta, podia ler-se: ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE VILA NOVA DE FAMALICÃO. É o que diz a anedota. Digo eu: a ser verdade, a dele é muito (mas deveras muito) maior do que a minha. Enfim: um pouco de risota faz mal nenhum. Por falar em risota, aquilo no Afeganistão também é de morrer a rir. E na Síria. E na Faixa de Gaza. E no Haiti. E na real puta que os pariu a todos. Coimbra é, por enquanto, a aldeola milenária sem grandes bulícios. Morre-se, perdão, vive-se por aqui em santo anonimato a-bênção-meu-pai-deus-contigo-meu-filho. Os ainda-empregados cumprem à tabela sua obrigação sobrevivente. Os ociosos mosquejam restos pela amargura amestrada do ramerrão. Eu faço da seguinte maneira: antes do das 20h00m para casa, galgo o sopé da de Montarroio & iço-me ao Pátio da Inquisição no intuito (coroado de êxito) de emborcar uma ampola de cerveja frígida. José & Maria & O Menino vão comigo. José também vai de emborcadura: uma taça de tinto. Maria toma água natural. O Menino bebe, claro, uma coca-cola. Estamos os quatro bem. Daqui saindo, vamos comer uma bifana à primeira roulotte que encontrarmos. Ou uma sopa à casa-dos-pobres. Isto de milagres, nunca se sabe. Bênção-meu-pai-contigo-meu-filho.

724

Quando nasci, tinha menos quarenta anos que meu Pai.
Tenho agora apenas menos vinte do que ele perfez.
O Tempo caustica-me sem me dizer água-vai.
ConVosco será decerto o mesmo: contas que deus-desfez.

Nascer é despacha(cha)rmo-mos asinha-depressa.
(Crepuscular, escrevo daqui-coimbra-jardim-da-manga.)
Tenho de voltar cedo p’ra casa, a Mãe ’inda se zanga:
ou então não, sou órfão, nem casa hei, ora-m’essa.



3 comentários:

cid simoes disse...

«Vi o euromilhões, saiu-me ar.»
Euromilhões. Fiz uma experiência: propus a vários jogadores que só seriam premiados se por escrito confirmassem que me davam um milhão, nem um só aceitou a proposta e um deles disse-me que me pagaria um jantar. Vingança minha: não lhes sairá a ponta dum chavelho.
Continuam as boas leituras e estas duas últimas até provocaram saudáveis gargalhadas.
SAÚDE DA MELHOR!

Daniel Abrunheiro disse...

Caro Cid,
fazemos assim:
eu dou dois milhões e dois jantares. Atenção: por ano.
Combinado?
:)
Aquele abraço, muita saúde!
DA

cid simoes disse...

Não, obrigado. Ambos deixaríamos de ser como somos. Quando olho para os milhãonários fico arrepiado.

Canzoada Assaltante