34.
O CREME COMPENSA E OUTROS RETRATOS DA MOR
INOCÊNCIA
Leiria, quinta-feira, 13 de Outubro de 2011
Tem
um barrigão de santorro de pagode, aquele cheio-de-sono inocente e tumefacto
que vem ao meu café (o da Rosa) bocejar as primícias da tarde. Não o condeno:
ardem 35°C no Verão de Outubro. Ele não
consegue suster o fechamento das pálpebras, que lhe devem pesar quilos e quilos
de sombra. Divirto-me na observação dele. Ao nível do ventre, a camisa racha um
delta de pêlos. Relógio grosso a norte da patorra esquerda. Barba escassa e
esparsa num carão vermelhusco, a que a vinhaça plasma florões rubicundos. Incompreensível
flanela de calças, ao tempo que vibra calorão. Parece um menino idoso feito de
banha-sabão. Cordas espessas de espesso suor parabrisam-lhe as fontes da cabeça,
que parece mumificada em redundante nanismo, atida a jucunda bojura da pança.
Suspeito-o empilhador de feijoadas as mais lípidas, escorridos a sebo o unhum
de porco e a hematológica chouriceira. Roliço como uma ôlha de azeite: ou uma
epopeia de farinheiras: ou uma rotunda de entremeadas as mais toucinhas.
Cabeceia como uma pomba sem inconsciente nem arrelia. Obeso como uma brotoeja
de sapatos. Gordo como um cu de solteirona. Mas também: inocente, pueril, simpático
– e alheio como um soneto finlandês. Superintendem duas bolsas de pâté branco
sob os olhinhos cerdos. Colosso de roda-baixa, calça napa recheada de peúgas de
fibras electrochulèzeira. Coça o traseiro tão sem pudor quão com a unhaca
amarela do mínimo, que espeta no ar quando semiacorda para diagonalizar a
ingestão brutal de uma mini mais. A
sesta dele substancia a minha alegriazita gráfica de cada dia. Gosto dele.
Gosto até da mãe dele, que teve uma porca com a mesma naturalidade de o ter a
ele.
*
Uma mulher sonha com o homem que
eu deveria ter sido.
A tecnologia desse meu presente
alternativo não encontra nem alvará nem patente no futuro que me veio ver
passar.
Ela é toda uma arquitectura de
leite, se bem me lembro ou se mais bem invento.
Ela morde a própria língua, que
além de portuguesa é como quando a rosa se apura rubi grená.
As mamitas dela seivam duas bagas
mui morangas, cuja recordação me citrina o paladar e o verso.
A framboesa escura de seu dela
delta é um vértice tónico cuja irrecusabilidade me içou, outrora, a mais rija
admoestação fálica.
Recordo, soldado-da-paz, o
incêndio fulvíssimo da sua cabeleira leonina, onde a própria alma era o
primeiro combustível.
Quando acorda, ela interdita a
secreta circunstância de nós-dois-em-um-resto-zero: e trata da cria e do marido
com a amável compostura dos remorsos saciados.
*
Isto não é um auto-retrato, é um
homem de cu assentado em cinzas próprias.
Sou de uma mulher que dela se
tornou hino nacional, de modo que cada comum pernoita se nos torna o mais
brioso juramento de bandeira.
Cinzas próprias, quando cadaverizo
tanta palha e tanto amor de sardinheiras-ao-balcão.
Ela sabe que isto acontece
muito-me às quintas-feiras, quando se oceaniza o entardenoitecer do sal dela à
saída do trabalho.
O talco pulveriza a neve frágil do
perfume dela, sempre que a grafo com este lápis mesmo.
Claro que isto é um caso sério.
As pessoas existem mesmo,
derredor?
Ela diz que sim: porque não
faz versos e porque os ca(u)sa.
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