© DA – Terreiro da Feira de Maio, Leiria, 2 de Abril de 2012
(Se acaso a minha vida ainda desse
ao acaso a casa dos meus sonhos,
daria Jorge, Graça ou Graça Alice
à casa que, por Graça, me viesse.)
(O tempo madressilva escaninhos,
a roda das ruínas pára pouco.
Amigos, ’inda tenho, meus e poucos,
à medida de meus balcões e de meus vinhos.)
(Se acaso a minha vida ’inda tiver
um altar de pequenas coisas santas,
vos eu direi bem dela – e da mulher
que, não tendo fugido como tantas,
quiser ficar, sim, ficar quiser.)
*
(Para o meu lado de ex-menino ficava
um rastilho de corduras mal atadas.
Era o que explodia. Era o que rebentava.
E depois eram só coisas desgarradas.)
*
De bandas do mar me chegava em menino o Outono.
A promessa mor do Verão era já o Inverno.
Eu nem me assustavam as coisas, eu era breve
já: e era breve e menino e (e) terno.
Agora já não, que agora as pastilhas
da farmácia rejeito, resignado.
Um ex-menino é homem, não é gado
a que se tire o leite das mesmas filhas.
Tira-se um homem de si menino, sê sincero,
digo eu, me tuteando, quás’ insensível
– e o próprio que é próprio é admissível,
no caso de ser fingidor e vero.
De resto, espero que, das bandas do mar,
me nem queira trazido nem por levar.
*
Maravilhosas como pretas rosas eu tinha visto,
vindas do mar, as andorinhas dos peixes,
muito a voar, muito a voar.
Sequências de cores alteravam os úteros-números
de que a estatística faz filhos-contribuintes.
Calma, aí calma!, que eu fui a Celorico, eu
fui a Avintes – e, à de Egas Moniz, Avanca
antes do Nobel dos parolos e do fascismo
pobrezito.
(Mas é que agora faço versos, coitadito…)
*
As nossas palavras tornam-se pobres quando não
se tornam tão vivas quão a vida dos nossos mortos,
os que, vivos, nos amaram, viveram e falaram.
As nossas palavras, mesmo as do dia-a-dia,
são tão importantes quanto os nossos mortos,
que vivem, como os nossos vivos, que hão-de
morrer, mesmo depois de nós, ocasião soberana
para que, de vez & voz, não percamos
a oportunidade de ficar sem palavras.
*
Eu toquei com a boca vermelha a sopa de feijão-verde.
Em várias ocasiões eu fiz a minha noite assim.
A Lua molhada de prata é disso minha testemunha.
(E eu ainda hoje escapo por uma unha.)
Eu depois dele recolhi os sapatos do meu Pai.
Depois dele, também não s’iam dar aos pobres,
disse eu à minha senhora dele viúva.
(E, nisto, desatou uma tão farta chuva,
que chovê-chorar me parecia,
sapatos & noite – e noite em pleno dia.)
*
A criança não parece velha quando é nascida,
mas é antiga de quatro meses e dois dias,
a criança torna-se avó de sua própria vida:
4 de Fevereiro, 6 de Junho – e o resto, Normandias.
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