13/04/2012

LIGAÇÃO À MEDUSA - 27 (integral)



27. É QUE EM COPENHAGA NÃO MORRO

Leiria, quinta-feira, 22 de Setembro de 2011

Crio palavras como outros criam plantas, ou galinhas, ou filhos.
Instigo-me frases: como outros, planos de poupança-reforma, ou pescarias, ou urbanizações-gaiolas.
Hoje, por exemplo, não estou em Copenhaga mas em Leiria – e no entanto, querida, é por outra Copenhaga que ambulo desde criança, quando à ideia de quinta campestre se acrescia a potência do Estio (açucenas, cegarregas, libações de açúcar, abluções de água no milho, ínsuas de tangerineiras adoçando, quase ao trâmite da insuportabilidade, a infância mesma e dinamarquesa).
É que em Copenhaga não morro.
Oleiro trabalhando o barro do coração numa choupana de três por três metros e meio: em plena floresta, vivendo da água que corre e do fruto descendo da árvore que o subiu.
Nunca me foi possível nada que não fosse esta Dinamarca chamada Portugal.
Eu não podia ir pelo esterco estético da telenovela brasileira, eu não podia anuir à violência da mediocridade humana, eu não podia senão aquiescer à rotina supervivente (e subveniente) do instinto animal: de modo que cheguei à poesia como a final reduto do ter vivido no futuro.
Crio, portanto, e daí, palavras:
ergopessoa
nefelibatente
cromonização
lápispele
papele
sed’urdume
reensejorna
júpiternidade
eternitarde
entardenoitecer (amanhã)
filipêndio
restituísmo
comungraça
Leirinhaga
Portudinagalmarca.

*

Um rapaz de olhos azuis que fulguram no ar do salão. A cabeça bóia no charco grená da camisola com as efígies dos Beatles. Calça sapatilhas pobres. Refere como “ordinária” uma malta ausente qualquer, que naturalmente desconheço. 

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Canzoada Assaltante