Afinal era gata. A Dio(nísia) no dia 1 de Dezembro de 2011.
Este 1.º de Outubro é de uma violência térmica sumptuosa. O meu irmão Fernando, ao telefone, ontem, perguntou-nos se ficaríamos ou não com um gato que ele sabe preso há meses por uma corda. Respondemos que claro que sim. Segunda ou terça próximas, ele rouba-o ao desalmado e estúpido casal que prendeu o que não pode ser preso. Vamos lá de noite, trazemo-lo de carro para casa, devolvemos-lhe a vida. Gostaria que o fim-de-semana já fosse passado. Imagino o animal ao calor, na prisão intolerável. Queremo-lo em casa, amimado e livre, quase livre.
*
A brisa ribeirinha remove a amargura que o calor ferve no coração andante. A luz começa por totalizar os sítios, só depois repõe as existências nos respectivos lugares – como quando um desperta e se põe pela casa a estremunhar o futuro recente dos objectos: a chávena com um resto de chá na mesinha da sala ante-TV, os retratos de crianças hoje pais & mães já de novas crianças amanhã mães & pais, os cortinados langorosos como tules de ociosas dançarinas, a botija do gás, o telemóvel ligado à parede pela bateria umbilical, o manuscrito do poema deixado a meio para sempre.
Pelas ruas, a sarça ardente judaíza o êxodo lentíssimo das pessoas mais desérticas. O pequeno-comércio estiola. As hipersuperfícies regurgitam de parolos sem cheta a ver as montras-marcas que publicitam celebridades farsantes na radiotelealienação. Vale-me ter vivido uma manhã boa: cumpri um poema em itálico que se me declinou da leitura dos jornais no café da D. Lena. Espero agora o refresco da jornada no da D. Rosa. A verde itálico também, passo a coleccionar mais sons:
- para ser sincero, nem sei que lhe diga
- a resolver lançamento para Luís
- um erro na cara dele
- atenção, esta é a segunda vez para ele
- para tal, era preciso te evitado tal coisa
- tal coisa assim-assim, disse-l’ eu
- (Rosa, vem aqui abrir o bilhar, ’tá?)
- brisas-do-Lis, noventa cada uma, cinco e vinte-cinco a meia-dúzia
- estamos aqui a incomodar quem trabalha
- o problema era a válvula de distribuição
- como é que vai ser em Norwich, não sei
- agora puseram tudo junto
- sai sempre qualquer coisa obrigatória
- dois euros e setenta centavos, não, cêntimos
- repara nesta que ainda não leste, em baixo
- (aquele gajo ali está a escrever o quê, carago?)
(Em surdina-tinta, respondo que escrevo porque não posso deixar de fazê-lo, o quê, carago, não sei.)
A brisa ribeirinha etc.
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