01/02/2011

Ideário de Coimbra - 111

111. DA INSENSATA  METRÓPOLE
Coimbra, quinta-feira, 4 de Novembro de 2010

O meu coração, insensata metrópole, guarda
casas devolutas e mil drogados e mil putas.
Cães travessam-no, mansos e tristes.
Ele tem rodoviárias e viadutos.
Farfalha ao sabor dos risos dos putos,
esse vento de crianças escorando a morte.

O teu coração abre um panorama de varandas
altas. Repara nos cúmulos da neve, no ar puro
que se faz pele de vidro na ansiedade da boca.
Observa as aves, a constância biodegradável da vida,
a caligrafia da pobre gente que deixa recados
no fogão ao último filho, ovos, salsichas, pão, leite.

De que manteiga somos feitos, que licor lácteo
é tão nosso quão das cosmo-agónicas nebulosas?
Oh, os senhores de fato, a gravata do coração deles!
Oh, os império-impropérios da vesícula das damas!
Oh, as más digestões maila caspa dos colhões!
Oh, Coimbra, esta quinta-feira!

Derredor, a vibração do sino aldeia-se, brando bronze.
Almácega de alma cega vibra patitas de insecto.
A comoção da bondade, as horas tristes e bonitas
que perduram na essência da pessoa, tu
sabes.
A bátega que é cristaleira no poço fundo.

Fala-me do coração como se de outra pessoa
me dissesses as novidades, o comércio, a silhueta.
Um rubor de águas de boca borbulha especiarias,
a vã pulcritude toma conta dos dias,
é belo ser alto na penedia do coração,
ser triste mas alto, mas fundo,

sabes.

*

Era agora o futuro quanto podia
eu como os outros na antemão de comboios
as pessoas passapessoando pelas ruas
era agora o futuro e eu não sabia.
Os rostos fazem-se gesto na afeição
que bonitas e altas as pernas das senhoras
embotadas de couro e perfumes altos
era agora o futuro, sabes, o coração.

2 comentários:

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Grande Daniel,

este poema nasceu, como outros teus, antológico.
É uma honra ser teu amigo. Devo aliás dizer-te mais do que isso ("mais" no sentido de o que digo ser dizível pelos cidadãos da língua portuguesa em geral): é uma honra ser teu contemporâneo!

Parabéns - e abraço! JJC

Daniel Abrunheiro disse...

Nem sei que te diga, King. Merci, como dizem os australianos.

Canzoada Assaltante