05/02/2011

Rosário Breve n.º 192 - in O Ribatejo de sexta-feira, 4 de Fevereiro de 2011 - www.oribatejo.pt

Alguns farrapos de sonhos

Sonho por vezes com maridos de senhoras que querem estrangular-me por lhas ter amado quando eles se olvidaram ou abstiveram de o fazer em tempo útil.
Também sonho com um país não obsoleto que quisesse ser o meu, do preço dos morangos aos horários dos comboios, da pele das senhoras à fixação justa da taxa de retenção do IRS.
Sonho, ainda, com laranjeiras inflamadas como cabeleiras nórdicas à aventura por areais que percorri aos 17 anos.
Normalmente, acordo. E quando o faço, faço-o de um modo que vos poderá parecer inconsequente e inconsútil: sem ponto de nó e sem remédio, portanto. Ainda assim, porém, não desisto. Ou (permiti-mo, vo-lo peço) então, dito de outra maneira, não d-existo.
Uma pessoa tem seus anos. Os vividos e os por viver. Reside (ou habita; ou é; ou está) num rectângulo europeu de terceira categoria humana mas primeira em natureza: o clarão do oceano, o espinhaço das serras, a generosidade das fontes, a bonomia dos cães, a certidão do idioma, a qualidade dos petiscos, a sangria atada dos vinhos, as crónicas dos outros cronistas de certo jornal de Santarém. A pessoa pessoa-pensa-se: e, não raro, redescobre que desconhece o que há-de fazer ante o adverso vento, o rilhar da costa, a agrura da penedia e gajos como, nada sabendo que nada sabem, se chamam, até por acinte, Sócrates. É aí que sonho mais.
É então aí (aqui mesmo) que sonho com um país não obsoleto que quisesse ser o meu, da Lapa de Coimbra à Ribeira de Santarém, entre pratadas avieiras de sável e gente honesta.
Os sonhos são, todavia e toda a vida, o que são: fumos mentais que a aurora mais nega quão mais a noite firma e confirma.
São, são.

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Canzoada Assaltante