Seres sós pela plataforma. A gare transita os corpos mundiais da vida regional. Hora mansa: 13h27m. Idades multívocas. Um africano de transístor à orelha esquerda (imagino-o escutando o relato de algum Sporting-Barreirense de 1970). Uma senhora de sapatilhas-joanetes-de-enfermeira. Um rapaz de pasta-computador-portátil. Um casal de bandas orientais algaraviando brâmanes & mandarins. Sete minutos para o horário previsto do CP Regional 4510 para o Entroncamento. Uma mulher de cinturão com dupla fivela. Outro cavalheiro de sapatos em castanho-avelã. Uma matrona de casacão com gola forrada a pêlo sintético. Um larilas de passadas chilras e mãozinhas abatanadas perfuma a gare de limão químico. Um cão preto e lustral e feliz, um cão-todo-sorrisos. Um careca de bolbo vermelho como lâmpada de pórtico de casa-de-putas. (Projecto quase imediato: raspar a barba no cubículo WC do comboio com a gilete ambulatória que trago no saco.) Um rapaz de noventa e picos quilos lendo Portugal: a Experiência de uma Nação, de Vitorino Magalhães Godinho. Em andamento à hora marcada. Uma velhota a fazer croché segundo recorte de revista aberto ao lado. Fulgor pobrezinho das aldeias cristãs: capoeiras, laranjeiras, janelas resistindo como podem à ferrugem das décadas. Roupa crucificada em estendais. (Dor esquerda do arco costal.) Alguns painéis solares, algumas parabólicas. Homens envelhecidos, siameses do meu Pai. (Barba raspada, gilete descartável deixada no receptáculo dos papéis.) Leitura de um pouco de Redol para descansar a mão, agora.
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