AQUIESCÊNCIAS
Coimbra e Pombal, terça-feira, 8 de Fevereiro de 2011
Senhora de rosto pálido e lábios muito roxos sentada num banco da plataforma de Coimbra-B: muito provavelmente, uma cardiopata. Às 13h26m. Rumo a Pombal para a antepenúltima sessão de formação. Sexta, a coisa acaba. Sobra Coimbra por uns tempos. Depois, desconheço o que farei – ou poderei fazer – para comer etc. tempos maus. Algumas horas boas, é verdade, mas são maus os tempos. A angústia económica amordaça a viseira das pessoas. (Um barrote algo torto e desconjuntado neste banco de madeira magoa-me o nalgal.) Do outro lado da gare, um casal de namorados. Ambos na casa dos trinta, muito gordos amam-se. Beijam-se como planetas. Uma flausina de sapatilhas douradas e horríveis. Um filete vermelho laqueia-lhe artelho e tornozelo. Passa depois uma irina-boldievskaya boa como milho-rei. Sabe-se bonita e graúda: leva um sorriso eslavo e lavado. Um telefonema de Z.P.: simpatia, mútuos relatórios vivenciais, desejos de boas-sortes trocados, mútua consideração pessoal e profissional.
*
Sou também e ainda aquele que
se pensa pensando-te.
Amando-te, te mando
o recado,
sendo-me-te.
*
Também a Noite alvorece a negro giz de ouro-velho, pálida tecedeira de igrejas apagadas como velas por acender.
À voragem das esquinas com a flúvia humanidade da província, onde os sonhos e as couves se irmanam.
Crianças em barcos atiram as artes da pesca, em bancos de rua acriançam-se os velhos fora da tômbola da vida prática, essa lotaria.
Onde anoitece tão claramente senão no olhar? – pergunta-me um senhor de cachecol verde-azul que deseja também saber onde é a Rua de Ansião.
Indico-lhe a rua, escrevo isto em tentativa de aquiescência.
*
Deveria talvez ter desejado ser (e sido) um pequeno caixeiro do pequeno-comércio, o rapaz que envelhece sem dor nem esperança ao balcão da sapataria, da retrosaria, da confeitaria – ou, melhor ainda, da casa das chaves. Não alguém da poesia.
Seria por igual aceitável uma tinturaria.
*
Vazia de cristãos, a Praça da Matriz.
A Noite preside a suas/nossas catacumbas.
Os leões e os gladiadores dormem na pedra.
Queres ’inda saber como/o/que pensa o
meu coração por horas assim vivas no bálsamo
da morte?
Aquiesce-, então, -me.
*
Sulco ruelas por que as botas percutem sinais de piano pétreo.
O corapensaçãomento em frequência-rádio: para uma amnésia futura e uma memória passada.
Tal é o presente que ofertar posso à eternidade.
Cristais, colchas, rochas, relógios, quartzos, dígitos, diacríticos, carcaças, maquetes imobiliárias para um mais que duvidoso futuro em vivenda-família: (res)sinto tudo, à passagem.
Decomposição quantitativa dos produtos expostos.
O frio anil em torno do Castelo.
As cordas cósmicas riscando cadências fotopessoais.
Um homem içado de sua sombra mesma entre v€ias de mais sombra.
E mais gladiadores e mais leões.
E pedra, pedra, pedra.
*
É sempre hoje ainda.
*
Jantei hoje só entre mesas que famílias tomavam (pai-mãe-casal de filhotes). Os adolescentes cocacolavam vozes estrídulas. Os progenitores comiam em silêncio. Eu também. Comi uma massa gratinada com os olhos no jornal. As famílias ingeriram coisas coloridas como paletas de pintor. Não era tarde, não ainda. A hora fez-se outra. Saí, procurei um limbo onde pudesse versilibrar-me em recato. Encontrei-o. Nem em Pombal isso é difícil. Não é um tempo champanhes. Espumam, as horas, mas não champanhemente. É um tempo pré-comboio. Já vivi muitas horas afins, no big deal.
*
Um pouco de calma (22h23m). Serena ocorre a hora em espécie de mansidão. Não saí ainda da literatura para os limoeiros, mas pode ser ainda o faça a tempo e horas de, ser no mundo, ser do mundo.
*
Concedi cores às flores do deserto pessoal.
Cedi-lhes nomes novos para que pudessem ser-se.
Carmim-junco, jasmim-tronco, cravo-sideral.
Cores-nomes-flores por onde pudesse perder-se
um rapazomemenino nascido em Portugal.
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