118. ATENÇÃO DE CRIANÇA ANACRÓNICA
Coimbra, domingo, 14 de Novembro de 2010
Manhã molhada e olhada à face do Rio.
Beleza das aves fluviais, entre as quais raparigas.
Quantos junhos se fizeram já novembros aqui?
Fulgor frio, um sol tíbio tentando viver do ar.
Manhã de domingo, a Cidade plena de flores adormecidas.
Homens e cães aparelhando a solidão do Parque.
Pombas intrépidas bicando o chão.
Quase nem penso que todos morreremos.
O Convento de S. Francisco a traço de água-pedra.
Uma grávida sentindo todos os aromas-cores.
O sono das lojas, o desamparo familiar delas.
Pertinência do desespero, dedadas azuis nos olhos.
Um homem beijando a mulher dele, a que pertence.
Um rapaz almoçando sozinho num sítio calmo.
A boca perfeita da rapariga da confeitaria.
Uma idosa com um saco de fruta.
Dois pescadores à linha resgatando pérolas-peixes.
*
Foi-se embora a manhã, a tarde já não é.
Nos braços da Noite estou, colo frio e agreste.
Mas a Vida em torno gira, bonita até por vezes.
Esta rapariga da mesa ao lado telefonando ao pai.
A mornidão da voz dela ante o Primeiro Homem.
Decerto as saudades dele pela filha que estuda em Coimbra.
Estas coisas-quase-nada a que se volve, deliciada,
a minha atenção de criança anacrónica.
*
Silhueta de pessoa ante as luzes do Bingo.
Corredora solitária, rumo a um algures que desconheço.
Não antiga, antes jovem, cabelo eriçado de banha brilhantina, não sei se é rapaz se menina.
19h37m, hora de Coimbra.
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