17/02/2011

Ideário de Coimbra - 109 (fragmento 1)

109. BEM – OU ENTÃO CIVIS COVIS

Coimbra, terça-feira, 2 de Novembro de 2010

Beneficio por vezes de uma luz como a desta manhã que me chega e abrange todo, toda ela matizada de cristais perfumados e fluviais. Imerso nela, nada me custa perceber a importância acessória do viver. Do bornal, saco pão devindo antigo e dou-o aos pássaros, que são como películas contrapontuais do cromo luminoso. As árvores incandescem por capricho, à maneira de auriflamas que consola mirar. Atiçadas pelo clarão solar, derramam pelo chão revoadas de ideogramas muito caligráficos. Nem os automóveis parecem mortíferos. Nem a respiração é o perigo do costume. A consciência, amodorrada na Beleza, pensa coisas de gato. E os cães encouram os seus casacos vitalícios enquanto procuram aromas que só eles podem detectar. Ao alto muito azul, um jacto fuma milhas aéreas. Penso numa mulher. Ela é fresca como a corrente manhã. Acontece-lhe fulgurar a verde sobre campo cor-de-ouro-velho. A esta hora, noutra cidade, que estará ela fazendo? Com quem falará e que lhe diz? Digo: pensar numa mulher é como pensar numa oliveira. O azeite mana de ambas as lembraduras. E todo o azeite é toda a luz. 

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Canzoada Assaltante