23/12/2009

E vão 135 da série Rosário Breve - sempre nO Ribatejo - www.oribatejo.pt



Natal à portuguesa







O Natal é, por excelência, a época da caça ao sem-abrigo.
O zagalote da caridadezinha municia a cartucheira dos bem intencionados sazonais cujo cristianismo tem data marcada, fora o resto do ano. As caçadeiras são à base de copos de plástico com sopa morna e fatias de pão de forma plastificado com uma tira transparente de mortadela fora de prazo.
Há prendinhas: a peúga desirmanada, o cachecol da Selecção, a pagela do Padre Cruz, o pente desdentado, o dêvêdê nº 149 das arengas tele-invasivas do professor Marcelo, o diaporama da Sãozinha de Alenquer, a costeleta de porco a pilhas, o poema do Torga, o contentor de Alcântara, o segredo de justiça, o rebuçado de fluoxetina, o laçarote daquele senhor que é pai do satélite português e que imita muito bem o Parvalhotti que Deus tem, o folheto do doutor Francisco George contra a Gripe-A e contra o resto do mundo, o rolo de papel higiénico marca Cimeira de Copenhaga, a previsão sempre-em-alta do Banco de Portugal, a escritura da geminação de Santarém com Palermo, a torrada seca também a pilhas, a fotografia do Natal passado dos manos Portas com o poster do Che e a estatueta fluorescente da Senhora de Fátima ao fundo, o Festival RTP da Canção de 1967 em cartõezinhos para colorir e colar com cuspo, o sol das terças-feiras, a infância de cada um clonada em ovos Kinder Surpresa, a visão fantasmática de Fernando Pessoa descendo o Chiado mas a sorrir à vida e às gajas que sobem a Rua Garrett, o Tejo e o Douro e o Mondego e o Guadiana e o Zêzere e o Sado uma vez na vida arribando todos juntos à mesma foz, a chuva dos sábados, o segredo crepuscular da morte e a lotaria inexorável do nascimento, a outra peúga que faltava e um beijo nas ventas.
O Natal, por tudo isto, não me entra cá em casa. Escuso de pedir mortadela à mulher. Uma vez, pedi – e ela ia-me pondo fora de casa, zona do mundo onde o mais certo é ser caçado sem apelo e com agravo cada vez que é Natal, chiça.

1 comentário:

Paula Sofia Luz disse...

o melhor é pedires só bacalhau. Pelo sim, pelo não, lá fora tá-se pior...bj, camarade.

Canzoada Assaltante