30/12/2009

Lista de Encargos para Honesto Estudo


© M. C. Escher, Drawing Hands (1948)







Souto, Casa, noite de 28 de Dezembro de 2009


Áspide e basilisco e catafalco e desacerto
Endógeo e furlana e golpe e hebertismo
Íncubo e jalofo e lenticela e marraxo
Nosaria e olaré e pirríquo e quintã
Retreta e sabor e tensor e umbro
Valsa e xénio e zoupo:



peças maravilhosas da máquina maravilhosa, a Língua.

Gondoleiros retornando a casa em furlana ao crepúsculo,
cidadãos oliveirenses retendo as águas de chorar ante um féretro íncola tirado a fantil,
matéria e antimatéria e progressos na compreensão cosmo-agónica,
fáleras incontáveis em romanos peitos,
vórtice com águas espigadas em satélite,
elucubrações boas em campo de horas rasas,
as nossas mães ao soalheiro um sábado de há décadas mais felizes.


Assim começa a minha lista de encargos para honesto estudo esta noite. Estou pronto. Um
homem visto de cima para baixo, ele progredindo num deserto incartografável, talvez seja a devastada vastidão da mente dele aquilo que sobrevoamos.


Síndromes, açougues, Big Bang/Big Ben, tudo em grande, assimetria de partículas/antipartículas, a cabeça da gata aflorando o edredão, a improbabilidade do início impossibilita o fim, as astrovidas são as nossas como são as dos animais, das plantas, das pedras, das águas, das casas comerciais, das azinhagas, das encruzilhadas, dos tablados medicinais, dos anfiteatros povoados ’inda de espectros mascarados.


Agonia e bromatologia e cabo e didascália
Egofagia e filologia e gaia-ciência e hebefrenia
Inhenho e jaculatória e laqueca e macilência
Nefrite e ouropel e pegulho e quebrada
Rabita e sericina e talim e unguento
Vidrecome e xabrega e zoonímia:



peças maravilhosas outras mais.

Sangria cromática dos panoramas boreais,
taça verdescura plena de peras avinhadas,
senhoras de Castela acolchoadas em balcões de procissão,
observação do que passa e se passa,
lavradores bebendo água de pé sob o astro-rei,
cumprimento das deixas do Pai vid’afora,
nádegas de actriz editadas em cinemascope.

 

Assim progridem lista e encargos, não lhe nem lhes faltem nem honestidade nem estudo.


5 de Dezembro de 1945, desaparecimento de soldados norte-americanos para bandas do Triângulo das Bermudas (Voo 19). Great Sale Cay, Hens and Chickens, Fort Lauderdale, Miami. Gula de enigma, especulações fantasistas, exploração sentimentalóide, sensacionalismo obscurantista, ânsia de sobrenatural. Mas parece que os homens desapareceram mesmo, mais seus salvo erro cinco aviões. Busca e salvamento inconsequentes. Mistério e televisão rentável. Nuvens densas como muros no horizonte alto: montanhas de vapor não desprovidas de magia. Destroços nenhuns, enigmas cardiotónicos muitos.


Ametropia e barrunto e chousal e derriço
Egofonia e favónio e gastrocele e hipoandrismo
Irroração e jacinto e léctica e melanope
Ninfeu e obsticidade e pisseleu e quinau
Rocim e sestra e termestesia e urodinia
Velhaquete e xistarca e zaré:



infinita é a maravilha, maravilhosa é a infinitude.

Garça que à graça dá de graça corpo,
torpor pós-prandial em Pomona plena,
a euforia nazi até 1941,
águias empalhadas em despensas de museus,
Marlene e Albert voando través-Atlântico,
A alma confiante conhece o seu nada, como o de todas as criaturas”,
escreve o Padre Thomas de Saint Laurent algures na minha vida nocturna.
E embalo-me nessa dormência vigilante ainda assim (poucos carros já na estrada perto de casa, 22h06m). Vale que a qualquer suma teológica preferirei, sempre, qualquer resto-zero antropológico. Assim é, garanto-vo-lo. E sigo acumulando nomes: o Abade Sisöis, o Cônsul Aristides de Sousa Mendes, Santa Gertrudes, José Mário Branco, Raimundo de Cápua, Santa Catarina de Siena e o Bibi da Casa Pia lisbonense. E, já agora, Saint-Jure, Sauvé, a Irmã Benigna Consolata Ferrero (daqui a dois dias aprenderei também o de Helena Kafka, a Irmã Maria Restituta decapitada pelos nazis em Viena de Áustria) e São João Crisóstomo, cuja provável eloquência o terá epitetado de Boca de Ouro. A minha esperança (a minha confiança, para glosar o pio Thomas de Saint Laurent) é ter sido palavras em a então ida vida. De modo que


Aclive e bolinete e cordite e deixação
Enchova e folacho e ganau e hendíadis
Iró e jubileu e leguória e macradénia
Neuma e orcina e Pomona e quididade
Ressaio e solecismo e tágide e urra-boi
Vidual e xarafim e zirra-zirra:



música todas.

Oh, 23h33! Vai-se o dia embrulhado em noite. Que palavras pescarei no dia que vem? (Virá ou não.) Garça que à graça.
E honesto estudo.



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Canzoada Assaltante