É um volume com sete tragédias de Sófocles. Ájax é a primeira. Na eira que cimenta em torno a casa, o cão vizinho, prisioneiro de não sei que culpa, arrasta a corrente grossa contra o tacho de folha. Estou na sala. A gata flutua como um pano pela casa. A rádio alinha Duran Duran. O tempo é uma redoma. Sou a flor seca na redoma.
Arranjei alguma lenha, mas é insensato pô-la a arder com este calor. Nem a noite alivia a pele. O recurso é cerrar as persianas, molhar de sombra as paredes interiores, lavar com água fria o prato sujo de ovo (com água quente, o prato fica a cheirar a aviário).
A camomila infundiu-se na caneca de barro preto. Venho à rua, facto que a gata aproveita para tomar de assalto a vinha estiolada. Já cortaram os cachos, deixaram o ouro das folhas, o cacau endurecido das vides, a condição outonal da minha vida. Da vida de toda a gente.
Sófocles, paciente de dois milénios e meio, espera na mesa da cozinha.
Tondela, tarde de 3 de Outubro de 2005
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