26/08/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 101 a 103

© DA.


101

 

Café de esplanada unter-den-linden. Freguesia: velhos & semivelhos que se frequentam entre a partida de dominó e um que outro funeral.

Delfim, tu sabes, a propósito do derradeiro substantivo do parágrafo anterior, que o funeral à chuva consegue ser menos deprimente do que o mesmo ofício quando realizado à torreira do sol mais abrasivo.

E esta manhã saturnina, em que estou de folga, é de sufocação. Pelo sol que já arde desde cedo & porque talvez vá ficar sem trabalho remunerado mais cedo do que previsto. Por total rejeição das práticas predominantes da/na casa em que trabalho, talvez saia antes do contratado 19 de Setembro. É deprimente – mas assim tem de ser. Nada sei do que aí (não) vem. Vou voltar à rés-miséria, pela certa.

Sei muito bem o quão deprimente tudo isto é – mas, uma vez na vida, não estou a fazer literatura. Deveras não estou – estou tão-só a mostrar-me em vida, ou seja: em (mais um) falhanço.


 

102

 

Não há paracetamol para a dor-de-consciência.

Mas ante qualquer fideputa – fideputa & ½.

(Eu sei que o que disse, sim, é rude e feio.

Mas nem por isso mentira, antes sim presciência.)

 

Desejos velhos, quais pétalas pútridas, embolorecem-me.

Viso porém ainda a palavra-justa: a que mais custa, ó Mãe!,

justiça, justificação & ajustamento. Merecem-me

dignificação quantas o/a sejam, mesmo que não muito bem.

 

Há muito me é alta a usura da tristeza

Céleres, os anos; lentos, os dias; minerais, as horas.

Princesa sobre cavalo violeta: não saberei onde moras.

(O-senhor-toma-alguma-coisa? Tomo-pois-ah-pois-com-certeza.)

 

É domingo, essa noite de vinte-&-quatro horas.

Dou voltas sós ao poço-da-morte desertado.

Má-sorte, a de cada deserdado.

(Sim, Violetéqua, nunca saberei onde moras.)


 

103

 

Anunciaram p’ra esta semana

’ma vaga-de-calor insuportável.

Eu releio o meu Camus inimitável.

E faço a minha cena de pragana.

 

Nunca fui a Paris: nem mais a Espanha.

& a sentir contentamento, ninguém me apanha.

Ai, a energia ébria dos infantes!

Ai, essas correrias que fazíamos dantes!

 

Já não refiro a infelicidade universal

p’ra particularizar (sem interesse) a minha.

O Cosmos  é Todo-Ele Portugal

– e o bacalhau quase nem usa espinha.

 

“Onde-É-Que-Está? Onde-É-Que-Está?”

– monologo-me eu em perdições.

Uso-me em envelhecimento, sem calções.

“Onde-É-Que-Está? Onde-É-Que-Está?”

 

Devera eu talvez perguntar-me de pé:

“Quem-Já-Não-Está? Quem-Já-Não-É?”  

 


 

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Canzoada Assaltante