© DA.
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Na
tarde calorenta, Hermínio fuma à sombra. Esplanada aprazível de café de bairro.
Chávena vazia, como a hora mesma. Um livro de Graham Greene à mão. Visita o Irmão
doente às 17h30m desta quinta-feira. Tarde de diáfana limpidez. Vozearia alheia:
velhos conversando, deles a gaguez mnemónica. Um cão dormindo, à sombra ele
também. Neurónios de Hermínio: acalmados à força fármaca. Tremura manual, precária
caligrafia. Muitíssimo boa, sempre, a escrita de G.G. Laboralmente falando, H.
tem o dia ganho: trabalhou das zero às oito horas. Fará o mesmo quando soar a
meia-noite próxima. Folgará, depois, por três dias consecutivos. Certa boa-disposição
resultante de tal antecipação. A tremura das mãos incomoda-o, fá-lo punir-se em
vão por os pretéritos (que não de todo idos) alcoólatras. Fá-lo revisitar
imagens, mormente de mulheres que não valeram a pena. Assobia para dentro. Tem dívidas
por liquidar.
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Grande
Delfim:
Em
vez do castiço ramo de loureiro, esta tasca tem, uma de cada lado do umbral,
gaiolas. Estas contêm um passarinho cada. Não sei a que espécie pertencem. Ou antes,
sei: pertencem à espécie chamada dono-da-tasca, vulgo S(…). Costumo vir aqui
curtir a tristura crónica dos domingos. Ambas as avezinhas são policoloridas –
isso são: e cantoras de maravilha também. Sento-me na cadeira da rua e deleito-me
escutando-as. Já a fauna bípede, bem, essa é da espécie fina-flor-do-desperdício-orgânico.
Putas, chulos, subassalariados, dormidores-de-rua, poetas & demais mitómanos.
Trafica-se tabaco daquele que faz rir, cheirando a viela a miasma marroquino & a mijo de felídeos. Sento-me aqui, penso no que de quando em vez me
dizes, antipatizo há muitos anos com a vacuidade dominical, gosto dos outros dias,
dos domingos não, há muitas décadas que não, nada. Versos nenhuns me têm
sitiado por estes dias. Leio Carlos Fuentes depois de Graham Greene, dou-me
muito bem com a leitura dos gigantes. Gasto(-me) mais aos domingos, não sei nem
hei como evitá-lo. Não vivo em ou com família. Como os passaritos-canoros acima
referidos, habito uma gaiola. Canto a sós, ninguém vem escutar-me a melopeia
entristurada. Também visito o meu Irmão, que para sempre está internado em lar
especializado em terminações. Versos nenhuns
Etc.
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“Técnico
intermédio de apoio social”: eis o que sou (ou faço) deste 20/5 pretérito
& até 19/7 próximo. Faço turnos. Amanhã, folgo. Terça, trabalho das oito às
dezasseis. Reingressei, pois, no tecido-vivo dos lab(o)radores-contribuintes. Ando
a poupar para um par de óculos novo. São caros. Lentes-progressivas, trezentos
ou mais euros. Não posso conduzir com estes baratecos de ver-ao-perto que me
custaram vinte euros apenas. Os passarinhos do S(…) são magníficos cantores.
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Palmilho
a penates a Cidade a que pertenço. Sinto andarmos todos por um fio. Decorre da condição
de nascidos – novidade nenhuma, portanto. Talvez uma mulher me falte, já não sei
se, Delfim, será mesmo assim. Turistas em barda de bar em bar. Fotografam o very
typical. Bibelôs de cortiça, cêdês de fado-coimbrão, pastéis-de-Santa-Clara,
galitos-de-Barcelos, miniaturas da Torre-da-Universidade, canecas dizendo I-(coração)-Coimbra-Portugal.
Casal negro regressa ensacado da hipermercearia. Bêbados brancos (&
sexagenários) riem-se na viela, talvez felizes, venha cá eu saber se sim se não.
Planeio: apanhar o 5, ir à minha terra suburbana, ter com quem converse &
beba um pouco. Todos temos nece-Cidades.
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(Agredir
de rosas a mulher desejada
Untá-la
de seminal mel em fervor
Refutar
dela a passada vida-passada
Ter
algo que dar-lhe, sei lá, tipo-amor.)
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Cantam
maviosamente as avezitas
Engaioladas
como o foi Oscar Wilde
Por
crime hoje incompreensível
Ontem
& amanhã convivem muito.
A
Graciete manda muitas saúdes
A
Mercedes Viúva espera a chuva
O
Nuno anda nas obras & é de virtudes
Do
cacho se aproveita pouca uva.
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