© Alfred Stieglitz
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H.
diz ainda a Delfim que:
Bom
Delfim, não ando-desgraçadinho-no-gamanço
nem
pego-na-lancheira-e-vou-levar-o-almoço-ao-pai.
Adoentado
sim, ando: facilmente me canso,
paro
a meio das escadas, descaverno de mim um ai.
Falta-me,
como a de António Nobre, a delicadeza.
Falta-me,
como a de Cesário Verde, a subtileza.
De
um & d’outro não me falta todavia a tristeza.
Ai
não, não falta, podes bem ter a certeza.
Já
só mui pouco desta vida escarneço.
Posso
o que posso, meço o que mereço.
Atafulho-me
de angústias irrisórias.
Meto-me
em contos, enredo-me de histórias.
Sei
já que jamais me irei de passeio a Paris.
Quebrei
muita janela, bebi muito anis.
Não
é que me apeteça sair do meu País.
É
tão-só um já-lá-não-vou, um diz-que-não-diz.
Insula-se-me
uma tal vontade de desmorrer,
que
dias, Delfim, há que nem te sei dizer.
Quando
logro, feliz, dormir em profundidade,
então
sim, não queimo febre, vinagre ou saudade.
Mói-me
o sentimento, isso sim, de impotência.
O
meu Irmão vive, por assim dizer, noutro neuroplaneta.
Sangue-do-meu-sangue,
sua doença é-me violência.
E
eu não posso ir-me-de-putas, nem sequer uma punheta.
Tempo
há de mais que me não vou à praia, eia!
A
certeza de morrer, júbilos me não franqueia.
Quanto
a Virgínia Moço de Teles e Correia,
essa
sabe-a toda – mas olha, eu também sei-a.
Habito,
por assim dizer, meu abstracto Duíno.
É
tal a parangona de meu mesmo destino.
Pecado-capital
é a depressão-crónica.
Isso
– e o beber gin sem água-tónica.
Proíbo-me
a alegria indiferente.
Deixei
já de crescer para ser gente.
Não
sei que deste Julho (des)fazer.
Talvez
nem fôra desassisado morrer.
Pois
sim, pois não: há que ser-se, de nome, legião.
Dia
4 próximo, aí está de volta a Rainha Santa.
A
muda procissão barafusta & canta.
Lamento
porém toda & qualquer religião.
Deveras,
nem em panteísmos alinho.
O
mundo é solidão & eu, sozinho.
É
como rir sem dentes, cantar sem voz.
É
como a orfandade de todos nós.
Por
amor aprofundar uma senhora
não
é palha já de minha manjedoura.
Reviro-me
outonal, pagino as folhas
das
tílias & das minhas tão más escolhas.
Por
que são avenas-frautas as canoras aves?
Mãe
(ou Delfim), por que não hei bonanças mais suaves?
E
por que me (des)faço H.-em-terceira-pessoa?
E
por que não singrei quando em Lisboa?
Nem
a Londres jamais irei, como penso ter ido Eça.
Para
já, por aqui – mas não tenho pressa.
Perdi-me
de alegrias a 23 do 5 de 86.
E
não cumpro rainhas nem por mil-réis.
Ainda
não sei que noite serei esta manhã.
(Sei
não ser mau o verso recém-anterior.)
Acordo
quando ainda nem anoiteceu alvor.
A
minha Mãe foi sempre Mãe, nunca mamã.
Odes
vitoriosas (ó heróis!, ó rosas!) que ninguém lê
–
mas que cada dez-de-junho, sabe você?
(Glória-a-Deus-nas-alturas
&
que os bêbados não sofram securas.)
Não
é a verdade que já só desame.
Juro-o
pelo meu cancro & p’lo meu derrame.
Sineta-campainha
de tabelião-de-hotel,
toca-toca-toca-toca,
vai acordar o (Zé) Daniel.
Põe-me
uma cesta fresca de fruta no quarto.
Por
sete contos & quinhentos, quarto em motel.
Sineta-campainha
(inha-inha, eu vou dar-to).
Toca-toca-toca-toca,
tu tem cuidado, Daniel.
(Fui
já da era de príncipes-encantados.
Era
ela de azuis olhos, maravilhosa.
E
eu fui de gestos desnudados.
E
ela floresceu em toda-rosa.)
Posso
eu, Delfim, pedir-te que pagues
por
mim as dívidas que hei contraído?
Não
posso. Nem quero. Olha, sabes?,
q’mais
bem te faças distraído.
Vejo
homens envelhecendo de nicotina-maneira.
Fumam
ante aves distantes – pensando em seus-antes.
Antes
ser funâmbulo, desses de arame-bebedeira!
Antes
andar-no-gamanço gamando meliantes!
Quem
não se sente logrado com religiões?
Quem
aos sacões se faz de senil?
Eu
nego Deus com estes dois palavrões:
LEUCEMIA
INFANTIL.
Ainda
não sei que hoje serei amanhã.
(Os
amigos são poucos, levam-se as suas vidas.
E
eu padeço de maneira malsã
de
dúvidas &, por, de dívidas.)
Dorme
um pouquinho, H., dorme, porquinho.
Nenhuma
mata-púbica te espera em leito.
Vint’euros
a puta? Por dez, faz-se um jeito.
Depois
do afã-coito, todo o bicho é sozinho.
Post-coitum-omne-animal-triste-est,
assim
como as novas da guerra-no-Leste.
O
meu guarda-roupa nem guarda nem rouba,
que
eu hei-de ir desnudo levado para a cova.
Dizias-me
tu, Delfim, de tua boa Mãe.
Bem
te percebo: passei por isso também.
Também
Pai já não hás, esse maroto rapaz.
Juntarmo-nos
a ele(s), é mui bem capaz.
Ó
licras manhosas! Ó insidiosas vaselinas!
Ó
rapazes-com-moços & moças-com-meninas!
De
tudo isso, belezas, me arredei
no
dia de ser velho, o qual já não sei.
Neuróticas
pseudodoutoras regendo lares-de-velhos.
(Mas,
apesar delas, manhã de cravos vermelhos.)
Viva
para sempre o Capitão Salgueiro Maia!
(O
Diabo faz-se fêmeo & arrasta a saia.)
Yo
no quiero morir –
como naquele filme do monhé.
(Sei
bem o que dizia, sei bem o que isso é.)
Floresce
portanto a novel sexta-feira.
Finge-se
toda nova, como por brincadeira.
Roubo
& derrubo-me: história antiga.
(O
facto é a memória não ser a minha melhor amiga.)
Podes
ser decente sem ter de ser resplandecente.
Podes
nascer amanhã na noite mais recente.
Constantino,
o imperador converso à cristandade?
Ou
Constantino, o brandy tomado à saciedade?
Filipino,
ásio-súbdito dos Filipes?
Ou
Agripino, vê-filho-não-te-constipes?
P’la
nossa Rainha Santa
P’lo
tão só que a procura
Fartura
de pobre é tanta
É
tanta, é uma loucura.
Cozo-te
um azulejo
Debruado
a azul
Nada
procuro ou ensejo
Mas
lavo & sou taful.
Desperto
sozinho em quarto mutilado de gente.
Há
conversas, perdão, conservas no armário.
Não
se morre de fome indigente,
mas
tenho a vida ao contrário.
Confusão
onomástica: meus Irmãos de meus Pais.
Transmiti-a
ainda a uma Filha, essa minha Primeira.
H.
de todos os Daniéis (acentuai os éis).
Isto
não me parece fortuita brincadeira.
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