02/09/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 104 & 105


 

104

 

Apesar de tudo, tenho produzido alguma coisa. Não me refiro a literatura. Refiro-me a trabalho remunerado. Não há-de durar muito. Procuro já outra coisa em que consumir & consumar horas ditas úteis. (Con)vivo com aflições-de-dinheiro há demasiados anos. (Erros-meus-má-fortuna-&-aguardente etc.) Escusado lamentar-me. Escusado arre(arre!)pender-me.

À saída do trabalho, hoje pelas quatro da tarde, imergi na vaga-de-calor. Pareci um sapo sobre lama seca. Ainda assim, dei voltas pró-documentais necessárias. Abonei-me depois esta esplanada sombria, em que escrebebo à pala de cerveja muito fria. (Mas tem de ser bebida depressa, caso contrário coze, mesmo à sombra.)

Um Amigo safou-me de um aperto com a S.S.: sim, tu, boníssimo Delfim. (Não, não a S.S. de Himmler, sim a nossa própria Segurança Social de pós-25-d´-Abril.) Como dizem os tesos-proletários-de-todo-o-mundo-Coimbra-incluída (incluindo ateus & agnósticos): “Deus-te-pague”.

Falta-me produzir mais para pagar o que & a quem (tanto) devo.


 

105

 

É muita gentileza da tua parte

Alguma coisa eu diga ainda quereres (= creres)

Não és, eu sei, como o vulgo de mulheres

Que confundem sentimento com arte.

 

Tem sido mau o Verão, mau ’inda ser vivo

Eu sobrevivo mal à estufa crematória

Por verso, foi jamais ’ma grande história

A minha, que aqui suo morto-vivo.

 

O juvenil Camus ando ora lendo

Lapijo sublinhados mui constantes

Nada de amanhã encanta os antes

Instantes ’ind’assim eu vou vencendo.

 

Em Darmstadt como, digo eu, em Trouxemil

As chances de morrer são mais que mil

Perpetuidades só as do absurdo cruel

Que nenhum céu guarda a ouropel.

 

Lebre de Março Montarroio Lagoa

Professor das Belas-Artes (aposentado)

Vendeu do Areeiro, em Lisboa,

A casa a Malinverno Acabado.

 

Montar ’ma mulher & montar uma arma

Não são antónimos tão, quão se pensa nisso.

Uma há que, mesmo sem balas, não desarma.

E a outra, com balas, aqui-vai-disso.

 

Evangelistas-de-rua-porta-em-porta

Cristos americanizados com sotaque

Pô-los-ia a todos na rua torta

À garraiada de bisonte & de iaque.

 


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Canzoada Assaltante