64
Não sou dos
chamam “ténis” às sapatilhas.
Nem “invisual”
ao cego.
Nem “portador-de-deficiência”
àquele que, coxeando, vai para o maneta.
Nem “acessibilidades”
às rodovias.
Nem “seniores”
aos velhorros.
Diversa
linguagem aprumo & esfumo.
Nem al tenho
feito na vida, a irrisória vida minha.
Um pedaço de
céu violeta? Alegria certa.
Pego, mais
logo, à meia-noite. Despego às oito da matina.
Depois, não
sei – o Sábado pela frente, a aventura maravilhosa-ó-Rosa.
Antigamente,
chamavam “da Raça” ao 10-de-Junho.
“Da Traça” mais bem
estaria lhe chamassem.
Sou, como
alguns mais, uma espécie de self-madman.
Assisto à
existência oblíqua das aves livres.
Um pouco de
dinheiro basta-me a suportar o dia, cada dia.
Sou feliz
quando a noite me prostra sem sonhos.
Estive ontem
de folga, li muito, aproveitei a luz.
Digo:
aproveitei a violeta, boníssimo Delfim.
Escrevo esta
prosódia versicular por querer, mandar & poder.
Já hoje
alimentei animais soltos de amarras.
A noite dos
séculos esquecer-me-á sem pensar sequer uma vez.
A paz jubila
esta esplanada no dia-feriado-racial-tracial.
Espontâneo
zéfiro vem de quando em vez suspirar-me.
Sinto-me tipo
enorme inerme. Bocejo. Coço-me.
Conduzirei,
no mês próximo, a carrinha do trabalho? Não.
Lerei de
melhor modo, verei mais longe com maior nitidez? Duvido.
Ser pobre não
é o que por aí rosnam, é outra coisa.
Uiva pela
avenida a ambulância rumo ao hospital universitário.
É um grito
vermelho a azul-gás, aflige & descoroçoa a uma pessoa.
Penso no meu
Pai, na luz (em) que subi com ele.
Em que subi
luminosamente com ele aos moinhos de Lorvão.
No mesmo ano
em que ele morreu, H. esteve internado no manicómio desse Lorvão mesmo.
Era então
vivo ainda o doutor Américo Caseiro.
(1994?: um
dos meus anos de self-madman.
Já lá vai,
senhor Pai.)
Faz não tarda
vinte anos, vivi na lisbonense Alameda.
Foi no ano
seguinte ao da extinção do senhor meu Pai.
Foi quando li
o Mann d’A Montanha Mágica.
Foi quando li
aquilo do H.H. com-as-mãos-na-cabeça ou cois’assim.
Já então
havia muito que se me impunha a beleza dos animais.
Sobrevivi a
essa década derradeiro-secular – para isto-hoje.
E não chamo “pénis”
à tatapil(h)a.
65
Fui no
Dia-da-Raça a ver o Irmão,
que em Lar de
arejada serra (se) termina.
Açúcar
amargoso determina
o sabor de
cada revisitação.
Pertenço a um
céu todo lápis-lazúli.
Olho de baixo
a pátria que me coube.
Não mais
rumarei a Norte ou Sul – e
morrendo
esquecerei o que já soube.
Viver é
poupanças irmos perdendo.
(Quem tem
filho doente, nada poupa.)
Faço por
limpo andar de rosto & roupa.
Pouco elogio
& a ninguém ofendo.
66
Esta Cidade vive
ainda do trágico amor de Pedro/Inez.
Vive ainda da
bondade imarcescível de Isabel de Aragão & Coimbra.
Mas desconhece
Armando & Deosinda, meus vizinhos de-em-frente.
Armando vem adoecendo
sem retorno, mal que por bem não vem.
Deosinda segue
trat’am’ando-o em silente resignação.
E os dois vêm
abatanar-se ao V.-d.-Mondego à minha vista.
Pedro-o-Cru/Inez-de-Castro/Rainha-de-Diniz-Isabel-em-Rosa
&
Arman’d’eosinda, que por estes versos ao anonimato escapam.
Tudo humana
gente que a vida castiga até co(s)micamente.
Minto-me em serenidade,
julgando-A, à Cidade, pertença minha.
Sim,
minto-me: mas Coimbra me é pátria de pária.
Durmo no
Quarto-Casa de meu paterAvô José A.
Até Setembro,
hei trabalho a contrato legítimo, que assinei & cumpro.
Depois, pois
não sei, nada sei de futuros ’inda não-pretéritos.
Penso reler
certos livros, tornar-me desinfeliz q.b.
Nova vaga de
caloraça vem sufocar os pedestres íncolas.
Por sorte, calha-me
esta semana o turno das 00-08h.
Cerro os
cortinados, tremo de calor nas trevas artificiais, falo-te.
Falava-te,
porém, meu bom Delfim, de Pedro & Inez.
Dizia-te,
todavia, meu magno Delfim, da Rainha Santa
e de Armando
& Deosinda, história-de-amor ora paginada.
Armando, ruço-capilar,
foi 45 anos raio-Xzador.
Deosinda,
branca como os lírios de 1955, copeira do Hospital.
Amam-se em
perda anunciada, Armando tosse sofregamente.
São o mais
delicado par, são o mais mútuo-dedicado casal.
Encanecem a
olho-nu, pois que desnudamente os miro.
E eu,
Hermínio A., revisito a solidão terminal de meu Irmão (também) José A.
O meu Irmão
José A. veio para ser nome-eco de nosso paterAvô.
Cumpriu ele, que
eu não tanto, produtiva vida laboral.
Jaz sentado
ora em remoto Lar pago caro à mensalidade.
A neurologia trata-o
qual a cego-vidente.
O olhar dele
vê em o meu rosto as minhas costas.
Está no
planeta dele, é sideral, vai despertencendo-me.
Todos os dias
espero que Pedro-o-Cru me telefone.
Me telefone
dando-me de outiva a ida do José A.
Não o do meu
Quarto-Casa, atenção, mas sim o meu Irmão.
Deosind’Armando,
nos entrementes, vêm ao Café.
Miro-os em
plena discrição, de que descrição faço:
bonito par, contas
arrumadas, a filha em Inglaterra.
Vivem ainda
enfim – como esta Cidade idem.
Pessoas olhando
de lentes tipo cu-de-garrafa.
E putas
contrariadas, chulos de má-estirpe os seus.
Tercetos
inflijo à leitura possível do improvável Leitor.
Habito duas
folhas lençóiladas, durmo em nudez & mudez.
(E aqui,
Quim-Delfim, é como me vês & lês.)
Isabel, dizia-te.
E Pedro. E Inez.
(Um dia
destes, hei-de deixar em paz os mortos.)
Só que sou de
Coimbra, pouco tempo me demorou Lisboa.
Armando talvez
se arme desaparecido antes deste caderno.
Digo: antes de
terminado este caderno H.e.B.D.
Não importa: dormirá,
sozinha mas linda, Deosinda.
(H.e.B.D.:
Hermínio em Busca Delfim.)
Tenho em luz
pela frente o Sábado todo:
mas não sei
que fazer das horas, não tenho mulher ao lado.
(Armando tem.)
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