© DA.
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Algum
lance-d’-olhos de mulher beneficiada
de sua mesma
formosura, jamais igualada.
Ela e um
quarto de hotel (daqueles antigos)
& uma
noite revoluta; de manhã, como amigos.
Moras onde?
Aonde vais de costume?
Incendeias-me
de frívolo & vil ciúme.
Pariste já de
alguém? Já foste mulher?
Ando
deserdado, passo o tempo a ler.
Nesta Cidade
morrerei sem conhecer-te.
O facto é que
namoras com o Gil dentista.
Eu sou
pêlo-de-cão, já não uso crista.
Fino-me
nestes versos que (ab)uso escrever-te.
Recordo
(alquebrado) alegrias infantis,
muito tempo
anterior a este meu-d’anis.
Mas onde a
Eva, tipo a marroquina
que namorei à
janela dando para a esquina?
(Este não é
um poema de busca-femeaço,
digamo-lo
propício ao uso de bagaço.
Estas são
estrofes para a desconhecida
que talvez
’inda me guarde um resto de vida.)
Já antes
conheci fêmeas (algumas, honestas).
(Já troquei
humores com algumas destas.)
As outras
emerdaram-me, só lograram agrura.
Não valiam a
pena, o tostão, o verso, a aventura.
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Tenho-me
deparado, em estes mais recentes tempos, com muitos (demasiados) casos de
sofrimento urbe-humano. E nota bem, meu bom Delfim, que tanto me refiro ao
padecimento físico como ao idem mental. A par disto, estou muito mais
vulnerável ao canto das aves. Escuto-o até dormindo. É um quadro deprimente,
não posso negá-lo. Laboro as oito horas diárias pró-ganha-pão, isso sim – mas
nem a literatura me tem resgatado destas horas-más. Procuro na churrasqueira da
minha terra alguém com quem trocar palavras a-propósito-disto-&-daquilo.
Nem sempre encontro tal alguém. Recolho-me ao Quarto-Casa o mais tarde que
posso, ergo-me de manhã cedo, faço-me à existência, não nutro nem aleito
ilusões de qualquer espécie.
Lateralmente,
há a situação do meu Irmão tão doente.
Situação sem
melhoramento nem retorno possíveis.
Condição
involuindo a olhos-nus-&-crus-&-cruz.
Nenhuma luz.
Tempos
pressagos, estes. E aziagos. E sem oragos.
Envelhecer
sem envilecer é o meu único propósito.
Nem sonhos
nem expectativas.
Apenas ir
exercendo as forças(-ainda-)vivas.
Sim,
demasiados anos indivíduo-pessoais de sofrimento.
Escuto-os,
ausculto-os, miro-os, admiro-os.
Muita perda
& muita merda. Famílias desavindas.
Agros
desquites, filhas que não falam aos pais.
Esta manhã,
choveu um pouco, apanhei alguma água.
Derivei entre
aves-cantoras & rostos-sem-apaziguamento.
Cearei a sós,
exposto à saciedade sem fartura.
Penso que não
receberei telefonemas, sequer poemas.
Já não são
(nunca foram) meu assunto, sabes quê/quem, Delfim?
Já não são
meu assunto as raparigas dourando-se nas praias.
Nem as
crianças inocentemente felizes ao verem-se nadas.
Nem os
grandes lexicões explicando línguas multisseculares.
Toco-me ora a
triste trote, chouto passadas alquebradas.
No fundo como
à flor, não de passo de traste – até mobiliário.
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Vi neve azul
em sonho particularmente desamparado.
Encontrei
depois um homem chamado Í.
Soube do desespero
dele, marejou-se-lhe de sal líquido o olhar.
Sinto algo
semelhante ao desconcerto vital de Í.
Desconcertei
talvez irremediavelmente esta passagem.
Digo: esta
passagem chamada existência.
Não há
fármacos para tal moléstia.
Há só que
endurecer o coração, ser vil, desamar muito.
Veste de
verde aquel’além tão bonita senhora.
Gostaria de
vê-la penteando-se a um espelho-de-água.
Penteando-se
devagar, mesmo não pensando em mim.
Tendo aves
aos ombros, olhos virentes, sandálias violeta.
É tonitruante
a geral insensibilidade.
Deparo-me com
pessoas mais sós do que o faroleiro.
Afecta-me
muito um mundo sem palavra-de-honra.
Muito azul
era a neve – e será – de meu desamparo.
No lar, o
lume, a panela de ferro, o caldo apurando-se.
Gente nossa
residindo-nos até por dentro.
Criar
crianças em recinto seco & fresco.
Ter um
quintal, vê-lo maravilhado de luar.
Mas não. Nada
disso já. Isso já foi, lá vai, não volta.
Agora, latas-conservas num roupeiro, camisas crucificadas por cabides.
Dormir a sós,
água à mão pela madrugada. Pouco ou mais nada.
Um emprego
até Setembro, venha o que vier, dê o que não-der.
Hermínio vê
neve azul em sonhos febricitantes.
Os anos são
rápidos mas lentas – imóveis até – as horas.
Impiedade da
indústria, malevolência do humano engenho.
Uns poucos
livros por tesouro, algum afago recebido & dado.
Morre-se pela
boca como o peixe, r-existe-se porém pela Língua.
Hermínio
comunga com Delfim a Língua Portuguesa.
Mirífico
idioma milenar, ouro alquímico temperado.
Maravilha de
pobres insensatos que A dão a maus-tratos.
80
Às três horas
da tarde de um dia sem data
Vi
enlouquecer uma mulher na Fernão Magalhães
Ela pôs-se a
uivar a uma lua que não havia nem a via.
Por ser de
tarde brumosa aquela altura do dia
Creditai-me,
senhores, minha assombrada aflição
Ao sentir tal
senhora em essa tal condição.
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Imbecis
poderosos regem a realidade quotidiano-mundial.
Todavia, sigo
ajudando Í. como/quanto posso.
De tal,
resultar-me-á certo prejuízo laboral.
Todavia, ser
humano é meu & humanamente nosso.
Não. Não
recuarei. Podem decerto despedir-me à cabeça.
Podem
degolar-me o mísero salário que aufiro.
Mas tirar-me
(d)o que sou, ah carago!, não tiro.
Esta é que é
tal-qual esta, tal-qual essa.
De resto,
amargura & incerteza, velhas minhas irmãs.
Deixei-me há
muito de esperar vãs esperanças.
Os imbecis
mais poderosos não foram jamais crianças.
E eu
imbecilizo-me menino que gosta de manhãs.
Adormeço em
cont(r)a-corrente há mil anos – ou menos.
Enfeudo-me
sentimentos que nada procriam, destroem apenas.
Afago da
irreal amásia as caracolantes melenas.
E versejo à
doida os ócios, que de negócios sou somenos.
Amanhã, pelas
onze horas, Í. pode conseguir tecto.
Oxalá que
sim, o consiga, saia de onde o prendem.
As motivações
dele? Poucos serão que as entendem.
Os imbecis
poderosos urdem o futuro mais obsoleto.
Tenho por meu
o resto do entardenoitecer.
Pouco mais
deveras por fortuna hei.
Podem
despedir-me na quarta-feira, pode vir a acontecer.
Não podem
empobrecer-me de mim, isso eu sei.
Sob as
ramalhosas tileiras, ao zéfiro em frescura.
Eis-me
pensando em nada, que é quão tudo vale.
Amo quanto
resta de Natura.
A minha é de
nome Portugal.
82
Falo-te, bom
D., de Idalécio Pragana Rusga Galante.
É pessoa que
há pouco tive por diante.
Conversámos,
desporto que vez cada mais me apraz.
Idalécio é da
nossa idade – e, mais, mui bom rapaz.
Desejo-lhe
saúde & diminuta infelicidade.
Ele conhece
mais bem que nós os meandros desta Cidade.
Vive na rua,
dorme sob o viaduto.
É bem mais esperto
do que fero ou bruto.
Conheço-o de
copofonias recentes.
(Ele, só a
tintos; eu a tão-só aguardentes.)
(É verdade
que apenas cervejámos.)
(Mas foi com
aquil’d’acima que mais conversámos.)
83
(Procuras a
salvação no salário-mínimo.
Um centro te dá
comida, massas, arroz & habitação.
Pagarás dez
vezes, por morte, tal dízimo.
É natural do
nascido a dizimação.)
84
(Não trouxe
hoje pão para as minhas urb’aves.
Trá-lo-ei
amanhã, se lograr ganhá-lo.
Admiro a
nobreza natural do cavalo.
Não conheço é
porta nem porto eu chaves.)
85
O rapaz N.
admira-se de eu escrever tanto em o Café que frequentamos ambos diariamente (encerra-aos-domingos).
Digo-lhe que são-coisas-a-fazer-de-que-me-não-devo-esquecer. (Minto-lhe,
portanto.)
86
Morrinhenta
& cozinha-inoxmente amanheceu a quarta-feira.
Saí da labuta
(tristonha, maninha), eram as oito quando.
Ouvirei
esta tarde Maria Colectiva Anceriz Fradéu
&
Amília Nenhures Mulherana Marrano.
Não
sei que seja mais sufocante: se a humidade, se a humildade.
Picardias
maldosas entre co-lab(o)radores. Onde? Onde?
Numa
instituiçãozeca sem ética nem moral, só portal & retrete.
Prefiro-lhe,
de longe, ao longe, barcos escrevendo.
Barcos
escrevendo a linha azul do horizonte, em instante.
Não
cheguei a receber à linha cada soneto de cada derrocada.
Problema
(já) nenhum: o anzol não pensa, o peixe também não.
Oh
as pessoas! Oh os combustíveis!
Oh
ser sardónico para com as-da-limpeza!
&
oh minha limpa, minha morrinhada tristeza.
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E
a realidade acontecendo toda feita pelos Outros?
A
gente diz-que-não-que-não – mas no fundo…
E
quando a manta é longa mas os pés, tão curtos?
É
questão de ir crescendo, minguando, lunando velhilúnio…
Hermínio
escreve a Delfim, é impossível não fazê-lo.
A
moça de unhas lacradas a escarlate é já cinquentona.
Sai
do minimercado o viúvo do sexto-andar.
Oh
os combustíveis-fósseis! Oh as pessoas-idem!
88
Esmonco-me
& desranhoso-me com lençoleta papeleira.
Ronco
aflição arterial, da de natura gripina.
Ando
assim faz dez dias, é uma frioleira.
E,
tússico, morrinho, escarninho, a matina.
89
Perdi
versos como me perdi de versos.
Nada
me custa já, que já não pago.
Isto
de pensar (sem) as coisas – é o carago.
Tudo
é tempo-espaço a trecho esparso.
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