© Manuel Alvarez Bravo
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O
mendigo de barba-neve vem de calendário-menino-jesus.
Se
o meu Pai vai à porta, ele recebe cinco escudos.
Se
for a minha Mãe, cinquenta centavos.
A
economia dos pobres move os oceanos.
Também
de porta-em-porta, o homem dos livros.
Uns
de dietética ético-poética, outros do marxismo.
O
nazi-fascismo, os mortos & os vivos.
Mais
o Man’el da Fonseca do neo-realismo.
Ante
a minha lembrança afinal tão leal?
Tudo
o que se mexa & remexa de umbilical.
E àqueles a quem isto diga nada?
Pois
tudo mui bem, siga a desgarrada!
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(Resto
de pão com fiambre no bornal, sigo em frente.
Desparece-me
que o dia seja de outro diferente.)
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Era
no tempo do Dino-Meira-em-cassette, não me saíra ainda o já-que-pote do totoloto,
esse tempo em que existir equivalia à essência mesma do pessegueiro, sabes, olha,
Já
não é tal tempo, agora é tudo óne-láine, passeio todavia ainda pelas ruínas do
futuro, faço-me pertencer a um clã de homens que passeiam a própria sombra
atrelados ao cão de que fizeram a própria vida, mas
Espero
por um saco de mantimentos, outro de roupa lavada, todos os dias são bons para
tomar banho, ventilar os interstícios, ter a máquina a
pelo-menos-quarenta-por-cento, e quê, mais quê?,
Menos
quem?
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Imagem
de rapaz sentado em penhasco face ao oceano.
Não
penseis filmicamente; ele é só (& tão-só) em-imagem-verbal.
Tempestades
& prados, rebanhos & coudelarias.
E
em palavras os anos como em sílabas os dias.
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A
minha Amiga teve de ausentar-se, diz-se que não volta.
A
palavra dela era limpa, evolava-se limão.
O
melhor dos Amigos é o andarem à solta.
Cada
um sabe de-si-a-sua-dimensão.
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Faço
por não confundir ambrosia com ambrósia.
Faço
por não confundir gémeo com sósia.
Mui
de al porém fundo & confundo.
(Pois
assim desando neste & deste mundo.)
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Apresento-te,
meu bom D., este declive sem enigma.
Já
não se trata de hemistíquio, enfisema ou auto-estima.
Fim
de minha matina em ignorância de final.
O-programa-segue-dentro-de-momentos, como sempre
& afinal.
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Acontece-me
muitas vezes pensar em António Nobre.
Em
Amadeo também, também muito em Wenceslau.
A
neve já não é, não há nem recobre
a
moita da serra em tempo dito mau.
Muito
em Mário Botas. E em António Osório.
E
em Joaquim Agostinho. E em o Herculano,
o
de Eurico em promontório
(imagem
de rapaz sentado em penhasco face ao oceano).
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O
tempo que dedico não desdigo
Uma
sesta profunda é quanto peço
A
minha altura não é quanta meço
Mas
sou-amigo-sou-do-meu-Amigo.
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Junho
acaba-se, trabalhei as primeiras oito horas de seu derradeiro dia. Encomendo hoje
os óculos novos. Revisito hoje o meu Irmão José Daniel. Sim, tenho comida &
tabaco q.b. Algumas moedas na carteira, também. Ainda as nove se não deram, tomei
café bem quente, escrevivo um pouco para não perder a mão.
Faz
amanhã, 1.º de Julho, cento & dezanove anos que nasceu o formoso hoje-cadáver
de Cândida L., materAvó de Hermínio. Calendário cósmico-privado, o de H. No seguinte
dia, 2/7, completa 47 anos o Filho do Irmão J.D. de H. Idem cósmico-etc.
Quantos
anos
(nem
digo décadas)
perfarei
ainda
de
curso em corso?
Quantos
pescoços
ainda
(me) torço?
Fala-me.
Diz-me
que sabes tu disto-&-daquilo.
Quem
em Toulouse te deu dois cigarros & fósforos na noite.
Conta-me
de teus lobos em sonhos, à neve azul.
Uma
lareira oficiando lume em privado inverno.
Um
animal amado como (a) uma Avó extinta.
Fazer
por não ser vil mas naturalmente terno.
Não
ser eterno, ser só papel & tinta.
Besame
–
se não mucho, un poquito al menos.
Ou,
como diz a Bruxa-de-Maio, “acciona dinâmicas”.
O
teu rosto acrescenta a luz, ai esses párpados amenos.
Nunca
foste ou serás de rigidezes mecânicas.
Quando
de amigos-euros precisei,
três
perfizeram quantos encontrei.
Clara
reiteração do adágio reiterado:
“Se
queres perder um amigo, pede-lhe dinheiro emprestado.”
Fissura
na cartilagem da cabeça da tíbia.
Algo
incrustando-se-me no rim-esquerdo, a saber.
Saudades
de Dirceia, de Melopeia, de Aliceia, de Políbia.
Na
retinta manhã (d’ontem-&-d’amanhã), mui escrebeber.
Fazer
o desjejum mesmo que à força-contravontade.
Fumar
as passas-do-Algarve, ir-me às termas da bondade.
Dormir
sem amanhã nem ontens, valer um passarinho.
E,
co’ devido cuidado, subir a uma taça de vinho.
Sim,
não longe nem perto ronda a morte principesca.
Talvez
a preferira em o sono pela alva fresca.
(Mas
preferência nos é jamais dada,
que
morrer vale tudo: & viver, pouco-nada.)
Vadiar
& vadear equivalem-se mais que por homofonia.
Velhas
palavras me tornam novidade na poesia da Cidade.
Se
me abro em versos? Se me fecho cada dia?
Q’importância
tem tal isso? Ora, ride à vontade!
Não
tem preço a hombridade digna de sua virtude.
Menos
apreçável ainda é a rosa-da-saúde.
Parece
não haverem loucos mas diversa lucidez.
(Também
se cota o azeite pelo grau de acidez.)
Estrofe
a estrofe, estância a estância,
procedo
a metro a ânsia-distância.
Jamais
nos refaremos mal, isso são águas-passadas.
Cada
um, bem a sós, mal se dará a grandes-nadas.
Em
lençóis húmidos embrulho o corpo-mortalha.
(Quando
desempregado, invejo a quem trabalha.)
Aleitei
pouco as Filhas, recorrente me-penitência.
Nunca
soube (nem sei) agir cautelar-providência.
Peno-assombro
hoje vielas de impérios-perdidos
que
nem a victos chegaram à luz de meus dias.
(Só
tu, bom Delfim, sensatamente porfias
com
secos-&-molhados-&-objectos-perdidos.)
Alfafa
tasquinhe a metafórica cavalariça
dos
burros-(co)mandantes que não valem uma piça.
Os
sites pornográficos esgotam à saciedade
quão
merda é quem manda sem natural majestade.
Rifões-refrões
de cultura-dita-geral
assolam
a vulgalha gentia de Portugal.
Eu
vou mais devagar, sou como o Boi-Ápis
que
demora seis-mil-anos a dar cor ao lápis.
A
minha Mãe? Em criogenia-fornalha-de-neve.
O meu Pai? Já nem à vidraça bate sequer ao-de-leve.
Dois
Irmãos-Idos? Presentes no verso, mas de facto perdidos.
O
que resta? Pois não vêdes Vós q’isto é tudo uma festa?
Avaliai-me,
querendo, meu grão-de-impureza.
(Eu
cá sou pai-físico de Leonor como o sou de Teresa.)
Lento
é do âmbar o escorrimento cintilante.
Eu
até era p’ra V. falar de A. – mas não falo já, adiante…)
Devi(n)das
coisas receio-ruinosas catalogo em armazém:
a
falta do meu Gato, a morte de minha Mãe,
a
saúde das aves, a das minhas Filhas também,
mais
vale talhar a mal do que a hipócrita bem.
Bem-vindas
rosas luminosas homologo a alguém:
a
vida do meu Cão, a vida de minha Mãe,
as
virtudes suaves, as de minhas Filhas idem,
mais
vale dizer que não do que todavia-porém.
Bifes
espessos, daqueles em molho-cervejeiro.
Noites
de motel sobre pernas abertas.
Sofrer
de laranjas quando meteoalertas.
(&
ser H. p’ra esconder ser-se Daniel Abrunheiro.)
Falo-te.
Será
que te lembras d’ainda?
Eu
lembro-me: eras (& és) linda.
Mas:
fal(t)o-te?
Roupa
a enxugar em humildes estendais.
Nem
tudo uiva ou é monte lá dos vendavais.
Comprei
tabaco na Sílvia, que é vesga de um braço
e
me faz fiado para café & bagaço.
Manuel
de Jesus Esteva Crina
gerou
com sua Alice uma menina.
Josué
Maria Alandro de Brito
gerou
com sua Clarisse um rapazito.
“Sabes
muitas modas mas tem o cu cheio de fodas”
–
gritalha a obscena grei de minhas tascas.
Sim,
frequento & uso convívios rascas,
sou
da vileza mais chã & vou-me a todas.
Ponhamo-nos
a pau com o caruncho – aconselho.
Tenho
um quarto na rua de meu paterAvô.
Interessa
mais o que escrevo do que o que sou.
De
mim vereis mais mão do que joelho.
Bebi
uma canada-dry durante a Volta-
-a-Portugal-em-Bicicleta-1972.
Sei
bem de que é feito o meu andar-à-solta.
Sabei
Vós de Vós mesmos que/como sois.
Circunflicto
as minhas sobrancelhas
sempre
que me deparo com vilezas.
Meu
Pai era das bandeiras vermelhas.
Da
vida não há pessoas ilesas.
Minha
Mãe a todos os tostões contava.
Quando
morreu, herdei cinco tostões.
No
total, 35 ela poupara.
Os
outros 30 foram p’ra meus ‘irmões’.
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