03/08/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 34 a 37

© DA.




34

 

Semáforos na noite, farolins.

Panças empanturrando-se de amendoins.

Prostiputedos levitando, afins

de fins-de-carreira, anjos-serafins.

 

Beleza (& até glória) da sordidez.

Certo amargo-de-boca feito lucidez.

Ex-meninas sacolejando celulite,

mesm’assim acirrando a velhos apetite.

 

A tempo, recolhimento.

A desoras, sem melhoras.

Queixume nenhum, nenhum lamento.

Isto tem seus dias, depende das horas.

 

Coimbra-by-night, nas mais vis vielas.

Lapónia nenhuma, nenhum Pai-Natal.

Coimbra-XXI, mordida, Portugal.

Verdes enegrecidos, rosas ex-amarelas.

 

Moçoilas-em-flor, tenros efebos.

Polícias bocejando, coca deturpada.

A cura-da-morte toda por placebos.

E a soma do tudo: resto-zero-nada.

 

À hora do recolher das putas,

é mais notável a vanidade poética.

Restam-te um quarto & uma ética,

que não feres, proferes, ouves ou escutas.

 

35

 

Muitíssimas tintas revela a luz do Sábado corrente.

Suporto a tarde ao favor de uma sombra escolhida.

Há mais gente no mundo, mas nem sempre tal parece.

Venta fortemente, os pólenes parecem andorinhas.

Nem semelhamos envelhecer ante tal paleta.

Irrelevância de cada um ante a colectiva indiferença.

 

 

36

 

Aves engaioladas na mente infacunda, as palavras:

libertam-nas o son(h)o & a escrita possível.

Voam ordeiras como litanias, ecolalias, ora salvas.

São pombas já, bicam do chão a poesia comestível.

 

Viver é rápido, morre-se todavia em lentidão.

Estes domingos mortíferos, Delfim, são capciosas interrupções.

Em vidas que os abandonados avantesmam, solenes.

Nem sei se sempre chove hoje, se não: sei poucas coisas.

 

E ser tão-só isto: isto, um homem face ao Tempo irredimível.

O Domingo declina o seu latim mormente acusativo.

Há quem tenha nominalmente família, outros nem isso.

Ociosos cervejam-se sem metafísica em ilhéus consumistas.

 

O meu/nosso Mondego, Delfim, é quanto Río de la Plata posso.

Os meus Mortos rondam-me, a preto-e-branco sempre.

Estão para cá do infinito, este que circulo com passe-de-autocarros.

E é em tremura manual que lhes sacolejo a lembrança.

 

É de duas janelas o meu quarto-casa: uma tem o fecho avariado.

A esta, o vento abre-a como fazem as pombas às próprias asas.

No roupeiro, reservo conservas, cuecas, camisas, desirmanadas peúgas.

E Charles Dickens, Marguerite Yourcenar, António Osório, Rilke.

 

(E no verso anterior, quatro aves livres.)

 

37

 

Um de meus derradeiros dentes naturais começou esta tarde a incomodar-me. Não lhe dei tempo: enforcando-o num atacador de sapato, arranquei-mo sem mais tremuras. Já não dói nem faz doer.

Espero um telefonema que não vem. (Antes viesse.)

Espero certa maquia que se demora. (E me contrista.)

Mas não esperei que o d(o)ente se me impusesse.

Agi. Fiz (não pela primeira vez) de autodentista. 



 

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Canzoada Assaltante