I. Soneto com Chuva e Chá
Pombal, entardenoitecer de 28 de Janeiro de 2009
Uma tinta aguada plasma a vida destes dias,
pelas ruas cachorram as gentes a existência.
As farmácias pulsam mui árcticas, mui frias.
Parece-me que chove até na consciência.
Ao longo da avenida, a vida desce – e pensa-se
a si mesma qual espelho breve de turvas águas.
Um cavalheiro cachimba e uma dama dispensa-se
de comentar das outras as chitas e as anáguas.
Apesar de o mor pesar, isto é bonito.
Uma loja de chá atrai um pequenito
à montra, onde fulgura um cesto de doçarias.
A mãe do petiz, olhar debruado a negrito,
entra e compra ao seu pequenito
um doce que adoça a vida e seus dias.
II. Soneto talvez Verdadeiro
Pombal, tarde de 26 de Janeiro de 2009
No futuro teremos sido amados e esquecidos,
deitados ao mar, atirados das pontes,
insolados de luar, fendidos e ofendidos,
sublinhados a poente doente de horizonte.
Ontem as mães terão tossido placentas,
invocado a cosmética e a solidão dos pais,
cozido a pescada e riscado sebentas,
sonetado a preceito no peito, onde dói mais.
Hoje eu amo a vida, amanhã não sei,
como ontem também aliás não soube.
A vida é tudo o que tenho, sou o rei
apenas da parte que me coube.
Estas coisas, tal como os sais, os cristais e os brometos,
podem, Gedeão, não ser verdade – mas dão sonetos.
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