28/03/2008

O Vosso Rosto e a Chuva em Beleza seguido de Soneto dos Jantares Sós


Máscara funerária de Goethe
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I. O Vosso Rosto e a Chuva em Beleza
Viseu, tarde de 27 de Março de 2008

1

O teu rosto e a chuva partilham
a perpendicular natureza da precipitação.
Oh eu sei!, toda a cabeça é uma pensão com águas correntes.
A cabeça do poeta, a cabeça do calceteiro,
a tua cabeça: todas vós desenhais pedras
à chuva.
O meu dever é congelar isto por escri(s)to.
Olho o teu rosto pantanoso, onde rãs
burburinham sequências por assim dizer
verdes.
Olho a tua boca, marmorto de tanto sal
antigo.
Já surpreendi em mulheres
a delicadeza de meu Pai,
essoutro rosto.
Em cães também, devo dizê-lo.
Disse-o uma vez algures: que
os rostos circulam como moedas.
A prata do teu não é de lei,
deveria até,
estimo-o bem,
ser objecto de interdição.
Não estou a pensar em Goethe,
que de noite
todos os goethes são pardos.
Estou a pensar no que faz as pessoas.
Estou a pensar no que faz as pessoas
ter um rosto,
uma moeda
ao preço da chuva.

2

Entro em ti para tocar os órgãos,
a piça lírica dentro da catedral.
Toda reboas, as costas para o tecto.
Ele há ’inda amor em Portugal.

3

Revoadas de crianças azulam as ruas.
Sou o verdadeiro coleccionador de pequenos nadas.
Nadas-vivas, azulejando as asas.
Revoadas azuis acriançam as ruas, as casas.

4

Trata-se fundamentalmente de propagar a beleza.
O idioma range todo na boca.
As pessoas, coitadas!, julgam escolher as palavras,
quando elas as usam, às pessoas.
O meu cabedal é feito de assistências.
Paro num sítio, ponho-me a ouvi-las.
As palavras a ranger as pessoas.
As palavras a engendrar o comércio.
Elas com corpos de gente a partir das bocas.
Os corpos sentenciados às bocas.
A beleza disto, irmão, a beleza disto.
Toco algumas cores, faço de vento, toco e deixo.
Rãs que falam verde perante um rosto,
chovendo.
Uma beleza.

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II. Soneto dos Jantares Sós
Viseu, noite de 27 de Março de 2008

Noite, minha noite, de nós todos noite.
Corporal noite de espíritos cozinheiros.
Das casas pobres mana a comida aérea.
A noite ao corpo agarrada qual moléstia venérea.
De nós todos é a noite, cada um por si.

Cada um por incomum si na cidade comum.
Cada um espraiando areias de um ouro que não há.
Refeições inox servidas em raras salas.
O bater do néon, o empregado que espera.
O mosquedo das motorizadas na nossa noite.

Vagens, talos, ervilhas, enchidos.
A humildade do pão imitando a terra.
Fechamos à meia-noite, que a noite encerra
a todos, todos nós, anoitecidos.

2 comentários:

Unknown disse...

Um constante levantar os pés do chão. É um prazer lê-lo.
Um Abraço
João Martins

Daniel Abrunheiro disse...

Prazer meu, minha honra. Obrigado, João.

Canzoada Assaltante