06/12/2008

De o que Nos não Diria Mr. Anthony Eden mas lhe Digo Eu ante Vós


Organização final de textos: Casa, Souto, tarde de 6 de Dezembro de 2008
a partir de textos de 21 e 30 de Novembro e 5 de Dezembro do mesmo ano,
por esta ordem de aparição




I

Não faço ideia de o que nos diria
Mr. Anthony Eden
se o chá desta manhã aceitasse
connosco partilhar
com sanduíches triangulares de pepino
e biscoitos de canela indiana.
Talvez aceitasse
Mr. Anthony Eden
o chá e a visão do rapaz encanecido já
que nos enegrece as manhãs
tentando vender,
à esmola,
o Borda d’Água para 2009.
Ou talvez folheasse
Mr. Anthony Eden
a edição de
25 de Fevereiro de 1923
do
Jornal da Europa,
que traz a
Tragédia do “Rhona”,
não sei.

Muito provavelmente,
Mr. Anthony Eden
nos não alinharia
o paginado cavalheirismo pensativo de
Giordano Bruno, Descartes, Hobbes,
Locke, Berkeley, Newton,
Hume, Jamess (William, irmão de Henry),
Darwin, Spencer, Henri George,
Byron, Shaw, Buck, dos Passos,
Upton Sinclair, William Pitt.
Decerto não.

Talvez
Mr. Anthony Eden
aceitasse contemplar-nos com
as dualidades maniqueístas
que enformam as humanas:
Stanley/Livingstone, claro;
menos claro, Scott/Amundsen,
pelo que aos Ingleses doeu
a pragmática competência do Norueguês,
salvaguardada embora a dignidade
do capitão Inglês
em sua fatal demanda do
Extremo Sul.
(Póneis em vez de cães é que foi uma chatice.)

UM GRANDE TEMPORAL
NO TEJO NAUFRAGOU UM REBOCADOR
Mr. Anthony Eden
A TRAGÉDIA DO “RHONA”
CINCO GERAÇÕES DE HOMENS DO MAR
Da sua tripulação, de 8 homens, apenas dois conseguiram
ser salvos milagrosamente
Fábricas destruídas em Setúbal.
– Noutros pontos do país também
o temporal causou enormes estragos
A família fundada pelo velho e glorioso capitão
Joaquim Lopes
Mr. Anthony Eden
continua honrando suas tradições
brilhantíssimas
Um bisneto do patrão Lopes dirigiu os trabalhos de salvamento
O acto heróico de Quirino Lopes

A realidade imediata
Mr. Anthony Eden
credita níveis de missão como de submissão:
aos temporais, por exemplo.

O Canal do Suez
(história soez essa sua,
Mr. Anthony Eden)
e a
TRAGÉDIA DO CAPITÃO SCOTT,
também exemplo.

Não faço ideia
Mr. Anthony Eden.

Falar-lhe-ei agora
Mr. Anthony Eden
de Lúcia Damiano
e de esvaídas raparigas ridentes
do meu país memorial
e naufragado do
Extremo Sul.



II

Viva a horas mortas anda Lúcia Damiano
pela cidadezinha que o domingo fechou.
Há corrimento de águas transversais,
há pensões com águas correntes, noutro tempo
já outro deste, anda Lúcia Damiano.

Viver em Paris é anoitecer de ostras e champanhe,
pensava eu em menino, é marcelproustar, não é
Lúcia ser, é ser
outra pessoa. Na cidadezinha portuguesa, tudo é ser
porém. O domingo fecha a cidadezinha, assim
José Maria Eça de Queiroz em Newcastle, Paris.

Viva a horas mortas anda o meu eu Lúcia,
hoje Damiano, domingo (amanhã como nos chamaremos,
como nos chamarão a cada um de vós?),
domingo, na cidadezinha
que não conta (nunca contou, contará nunca)
mas tem pensões: ruas transversais, todas de
correntes águas.

Anda Lúcia Damiano.
La Bande à Bonnot não aflige já, 1911-12,
o sossego prostático dos burgueses assentados: em França
como no mundo. Esta não era, também, cidadezinha
para tal ou tanto. Entretanto, Lúcia, aliás
Damiano, abre-se ao fechado domingo.

Newcastle, Paris, La Havana – e José e Maria
e Damiano, Lúcia. (Em pleno último século,
uma cabeça de efémera idade a efemeridade
pode – e, se calhar, deve – dar-se, havendo
a vida ávida a havida chuva, na cidadezinha, Paris,
no Extremo Sul.

Viva, a hora morta.
Discutem ao balcão do último bar de Lúcia.
Lúcia Damiano ganha em recolhimento.
Albertine foge de avião a Marcel,
feita homem.
Umas entreluzes de Paris, depois cidadezinha,

Portugal.



III

Risadas de raparigas restolham
p’las não ’inda aziagas azinhagas.
A memória é uma aldeia de que o sul é o corpo,
uma aldeia de cercanias só – arredores dos dias.

Como um estômago se arruína um muro,
tais dentes alúi a comum pedra.
Fátuas raparigas, fenecidas, além.
Rápidas, rubras, ridentes: ninguém.

Lumes lunares causticam na boca
a vocação do pó – da terra, da cinza.
Na botica, no adro da capela,
os animais recordam para a frente,

tudo é antanho na cal, a mesma da espuma
da manhã ancestra. Quem, senão eles, poderia
recordar e recortar as raparigas da aldeidadezinha,
os rubros risos azinhagas além,

Mr. Anthony Eden?

Revoadas: equinócios, babas e musgos,
o tempo seviciado de solstícios, tanto musgo,
o tempo desfeito, Albertine Damiano, não
aziago já, que mortos apenas.

Quem, de facto, senão o senhor,
Mr. Anthony Marcel Eden?

Um ribeiro como uma veia fria,
a aldeia mapeando amanhãs bruscos
como chicotadas dadas ontem,
para sempre dadas, esquecidas para sempre,

Mister.

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Canzoada Assaltante