Na edição desta semana (2 de Novembro de 2007) d'O Ribatejo (www.oribatejo.pt), a crónica nº 24 da série Rosário Breve. Porque calar não é morrer - é estar morto.
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O Tó tem 308 Pais
Vivi anos a fio numa cidade tão fraquinha, que os vereadores locais eram apanhados a lamber placas de trânsito para compensar com ferro a anemia das mentalidades. Era em Portugal, algures. Tirei entretanto a terriola da cabeça, como se faz a um desamor ou a uma lêndea. Hoje, recordei-a porque sim. Devo estar com saudades do ridículo.
O presidente da Câmara era um energúmeno que sujeitava a língua portuguesa a sevícias homólogas às dos curdos no norte do Iraque. Cheguei a sonhar com ele, desejando-o curdo-mudo. Sorte nenhuma, claro: o fulano ainda lá está e manda e pode. Multiplica rotundas por vingança da rotunda asneira que foi elegê-lo. Baptiza bairros da lata com o nome do neto, que é igual ao do avô. Mastiga em voz alta nas tasquinhas, demonstrando à saciedade e à sociedade que quem vê cáries, vê corações. Nas assembleias municipais, é dado a flatulências a que todos, por bondade, chamam discursos. Nos jantares rotários, passa a sopa a dizer mal dos Lyons e depois vice-verseja muito corado e muito contente e muito nutrido e muito redondo – como um bácoro.
A mulher dele, com desgosto dele, passa a vida a arrefecer nas igrejas – em desagravo, não do Coração de Maria, mas do nosso. É uma esposa entristecida: tantos sucessivos mandatos de pública vergonha enxugaram-lhe os fiambres feminis e escureceram-lhe as retinas, arabizando-a para sempre.
O filho é sempre António Francisco: chamam-lhe Tó Chico Dependente, porque, como toda a gente, depende do pai. Fuma tabletes de chocolate marroquino em estações de serviço néonizadas pela dormência pós-moderna do insucesso escolar.
Como as minhas ex-mulheres trabalham todas na autarquia, vejo-me obrigado a cronicar mal dele longe, lá para o Ribatejo, onde, ao menos, me deixam exercer a esperteza saloia de, dizendo mal dum autarca, me arriscar a acertar em cheio nos outros 307 deste País sem vergonha nem remédio.
Vivi anos a fio numa cidade tão fraquinha, que os vereadores locais eram apanhados a lamber placas de trânsito para compensar com ferro a anemia das mentalidades. Era em Portugal, algures. Tirei entretanto a terriola da cabeça, como se faz a um desamor ou a uma lêndea. Hoje, recordei-a porque sim. Devo estar com saudades do ridículo.
O presidente da Câmara era um energúmeno que sujeitava a língua portuguesa a sevícias homólogas às dos curdos no norte do Iraque. Cheguei a sonhar com ele, desejando-o curdo-mudo. Sorte nenhuma, claro: o fulano ainda lá está e manda e pode. Multiplica rotundas por vingança da rotunda asneira que foi elegê-lo. Baptiza bairros da lata com o nome do neto, que é igual ao do avô. Mastiga em voz alta nas tasquinhas, demonstrando à saciedade e à sociedade que quem vê cáries, vê corações. Nas assembleias municipais, é dado a flatulências a que todos, por bondade, chamam discursos. Nos jantares rotários, passa a sopa a dizer mal dos Lyons e depois vice-verseja muito corado e muito contente e muito nutrido e muito redondo – como um bácoro.
A mulher dele, com desgosto dele, passa a vida a arrefecer nas igrejas – em desagravo, não do Coração de Maria, mas do nosso. É uma esposa entristecida: tantos sucessivos mandatos de pública vergonha enxugaram-lhe os fiambres feminis e escureceram-lhe as retinas, arabizando-a para sempre.
O filho é sempre António Francisco: chamam-lhe Tó Chico Dependente, porque, como toda a gente, depende do pai. Fuma tabletes de chocolate marroquino em estações de serviço néonizadas pela dormência pós-moderna do insucesso escolar.
Como as minhas ex-mulheres trabalham todas na autarquia, vejo-me obrigado a cronicar mal dele longe, lá para o Ribatejo, onde, ao menos, me deixam exercer a esperteza saloia de, dizendo mal dum autarca, me arriscar a acertar em cheio nos outros 307 deste País sem vergonha nem remédio.
4 comentários:
Fizeste bem em usar a palavra "bácoro". Bacorada ainda se diz muito, mas bácoro é uma raridade.
Todos os anos comprávamos um bacorinho, que, quando chegava a bácoro, fazia as delícias da família, em morcelas, chouriços, farinheiras, toucinho, presunto, etc.
Do teu exemplar, nada se aproveita, obviamente!
Esta é "a crónica". Bjs
Não é Pombal ? Não digas que não.
É um dos 308 pombais deste país sem pombas, só de galinhas.
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