28/09/2021

PARNADA IDEMUNO - 778 a 781

© Walker Evans


778

Domingo,
26 de Setembro de 2021

    Da coluna alta, uma canção dos ABBA, de seguida outra dos Queen. A senhora um pouco marreca meteu dez euros no euromilhões, está o jackpot a acumular, oh sonhos!, acima da centena de milhões de aéreos. Domingo, Dia do Senhor & de Eleições Autárquicas. Já cumpri o meu dever cívico, já exerci o meu direito democrático, já botei o meu X nos três boletins. Rapariga quarentária raspadinhando quatro cartões de diverso prémio. As eleições locais funcionam como espécie de Taça de Portugal dos pequenitos – mas sem gigantes a tombar. De qualquer modo, é democracia – e importa, releva, interessa. A abstenção é, infelizmente, altíssima: perto dos 50%. Já o Domingo se foi.

779

Segunda-feira,
27 de Setembro de 2021

    Foi há coisa de trinta anos. Um Amigo que então tinha na vida contava-me coisas de família, dolorosas umas, graciosas outras. A noite abara já sua tenda ingente, da Cidade o diadema néon-eléctrico refulgia. Era em Santa Clara. Sentáramo-nos em muro que dava a retaguarda à Senhora Rainha Santa Isabel. Éramos novos como pêssegos na árvore. Já o não somos. Ele é vivo, algures a Norte. Eu não me norteei. Estamos ambos, julgo, muito bem de & na vida – pois que vivos somos, estamos, andamos & seguimos. Não é alegre, não é triste – não é nem deixa de ser. É necessário não confundir o Zorro com o Lone Ranger.

780

À babugem das décadas, não passemos cartucho.
As coisas outrora importantes – sabeis V. quê?
As outrora importantes são ora cazaquistões inócuos.
Inócuos. Inodoros. Inefáveis. Inimputáveis.
Mandámos fora coisas adentro, aconteceu.
Já não, coitados, somos o que de nós se (des)esperava.
É como sermos dali das Carvalhosas, acho eu.
Ou não sermos nem Mascarilha nem Tonto.
Ai-ô, Silver!

781

É uma finitarde, a de hoje, como sempre gostei:
chuviscosa, atonal, outonal, mercurial, cinza-rosa.
Quando reentrar em casa, porém não será nA Casa:
a de meus Velhotes, que ora dormem no Cardal.

Achei-me enredado em uma idade híbrida:
cachopo d’alma, pré-senil de corpo.
A serpente amostra-me a língua bífida:
e em sonhos refilo; refilo mas caio de borco.

É por hoje a finitarde como sempre gostei:
é tecnicamente impossível vir a ser mau gajo.
A felicidade dura um pouquito a prumo:
de sua natura é ser, ela, orgásmica.

Desfaz-se tipo serradura a maciça praia-árvore,
como em areal se desfaz & recompõe o adamastórico penedo.
Camões é morto, dele não sopra medo.
Não eu, mas alguém, mais o devore.


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Canzoada Assaltante