21/09/2021

PARNADA IDEMUNO - 771 (tal como ficou, que entretanto se fez noite)

Alberto dos Santos Abrunheiro (1914-1980)

pintado por Daniel dos Santos Abrunheiro (1917-1994)



771

Domingo,
19 de Setembro de 2021

Alegres facadas na Malveira
De & entre meliantes sem livros
A escumalha é activa, é laboriosa
Também faca brilhou na Cordoaria do Porto
E em Santos, Lx., é a mesma a alegria
Imita-se do film’ollywoods os gangues
Ruas degradam-se ao sol inclemente
Viveiros estercorosos a céu-aberto
Os ajuntamentos de “jovens” em festa
A anormalidade quer ser, e é, a norma
Tatuados iletrados com direito-de-cidade
Os jornais televisivos rejubilam
O mironismo boquiabre os pategos
“Políticas para a juventude” mortas à nascença
As escolas diplomam por grosso
As universidades, por atacado
Só nas creches há por enquanto sossego
Putrefaz-se qualquer assomo de ordem
O “progresso” era afinal isto
A “educação” deu afinal nisto
A “justiça” é dos juízes-astros
O “jornalismo” é a liga-dos-campeões-da-asneira
A “opinião” é toda ela “especialista”
As “novas-religiões” impõem a “nova-lei”
Ele é o lobby-gay
Ele é o lobby-afro
Ele é o lobby-vegan
Ele é o homem-lobby-do-homem
Ele é o lobby-do-coitadinhismo
Ele é o lobby- católico-sarraceno
Ele é o lobby-judaico-jeová
Ele é a moda do budismo-de-sacavém
O existencialismo-de-alverca
O nihilismo-de-rabo-de-peixe
O fotocopismo-dos-novos-talentos-de-imitação
O carneirismo-das-redes-anti-sociais
O estrumismo-da-livralhada-tipo-da-vinci
Mas se nada se ganha, nem tudo se perde
Não se perde pela finitarde o oiro da solidão
Não se perde o arvoredo ainda vivaz
Não se perde o azul substantivo por cima
Nem a força do húmus produtor por baixo
A visão úbere da mulher com ancas de parideira
A ubiquidade fotográfica da Beleza distraída
O indivíduo é afinal dono do ar que respira
A massificação merdosa não é inescapável
Inescapável é a morte, é o nascimento
Ondas ideais dão à praia improvável
Os domingos vaporizam qualquer espera
“Pessimismo-iluminado”?
Rótulo, como tantos outros, apenas
“Vontade-de-vida”?
Outro, que mal não faz
Há muito dorme o bom Schopenhauer
O pessoal continua porém a reitera-lo
Insciente do velho, sim, continua
É engraçado & é verdade
É trágico & é verdade
Que brincadeira, andar até parar
Apaixonarmo-nos comicamente
Desintegrarmo-nos cosmicamente
Vale-nos de quando em vez o quê?
A velha sempre moça Beleza
Num andar de prédio escaqueirado
Numa casota de cão esquecido
Era Atman o cão de Schopenhauer
Dizem que Alma para os budistas
Atman/Alma, não mijes aí
Ouço na luz o crepitar da pele
Cirando por viáticas atenções descampadas
As questões filosóficas fundamentais?
Continuam & continuarão
O que não percebo é o lixo pelo chão
Com tanto contentor apropriado
Não percebo o despejo gratuito & até vil
Acabei saindo um pouco à tarde dominical
Levo calçado o calçado vindo do sapateiro
Restaurado, sabe-me a novo
Fácil & ligeira é a alegria do pobre
Salazar-salazar-salazar
T’arrenego-t’arrenego-t’arrenego
Saio ao sol não excessivo do domingo
A brisa fresca despenteia ao de leve
O comum andante, ocioso po’pat’eta
A solar lareira alta hoje não calcina
Andarilho-me por sítios batidos
Batidos pelo tempo-em-mocidade, digo
Chega a ser não-desagradável estar vivo
O cuidado-todo é porém pouco-sempre
Cuidado com a lancinante propensão
Lancinante propensão à melancolia fácil
Difícil é não sentir dos Amados Mortos
Deles a falta intransigente & certa
Hoje, logo hoje, dia tão bonito
Tão doming’bonit’o, logo hoje
Dezanove-de-Setembro-de-Dois-Mil-Vinte-e-Um
Domingo-Dia-do-Senhor-mas-das-Senhoras-também
É o primeiro dia sem José-Augusto França (98 anos)
Ilustre nome das nossas, se as há, Letras
Historiador de Arte ele foi afincado
Tenho livros dele, que até folheio
Era Nabantino de nado, morreu em França
Morreram ainda & também:
Coimbra,
António José M.F., 67 anos
Maria Emília D.R., 74
Maria da Soledade P.V., 91
Cantanhede,
Alice F.C., 89
Figueira da Foz,
Vítor Manuel P.F., 71
Miranda do Corvo,
Fausto C.A., 74
Montemor-o-Velho,
Maria de Nazaré Z.S., 85
Tábua,
Eduardo Manuel A.P., 78
Seia,
Maria Helena F., 82
Sei que sim porque vem no jornal
Amanhã talvez mais facadas na pátria
Animem um pouco o morredouro local
Não é muita a compaixão que sinta
Nem esparsa a felicidade como arroz-aos-noivos
Os noivos-bonecos-de-topo-de-bolo
A bailarina-caixinha-de-música
O psiché-de-triplo-espelho-infinit’infância
O Vauxhall à porta, o Cortina
Jeremias vivo antes de Aveiro & do Futuro
Cheio-de-papel – assim chamamos ao rico
E no entanto, como tão ’inda há pouco
Como tão ’inda há pouco o jornal
Do jornal a fiel Necrologia partícipe
Do rol de figuras-nomes-idades-locais
Com ou sem Vauxhall
Com ou sem Cortina
Saio no & ao Domingo-Luz
E nada de António Fragoso, Compositor
E nada de Amadeo de Souza-Cardoso, Pintor
E tudo de Grip’Espanhola-ChinaCovid
Cem anos depois ainda aos milhões os tostões
Uma vez por semana visito um Irmão
Alquebrado mano, da queda tocado
Outro morreu além-mar
Outro em um autocarro desta Urbe
Cada um amealha seus desfavores
A graça esteja com outros, à-mãe
Poupei sempre os meus Amigos à novidade
Disse-lhes consabidas imitações do Nada
Retorquiram-me eles igual moeda
Perdi, achei, decompus, refiz
Apontai-me Vós quem o não idem
Agora descanso sem sossego
Supra o sublimado amor não-sexo
O amor-vero, esse do sangue
Esse que do gene ao génio traz
Traz a pessoa pendurada
Quando racional, não
Quando serena, não
Quando melancólica é que sim
Quando triste-por-nada, sim
Em 1981, eu & um rapaz-João
Vimos Didier Lockwood no Gil
(Gil é Teatro Académico de Gil Vicente)
Didier + Christian Escoudé + Henri Texier
Inesquecível esse Julho afinal único
O que não percebo é o lixo pelo chão
Em Agosto de 1998 o João acabou-se
Eu não, eu estou firme neste Verão
Até pelo menos dia-quê-não-sei
Sei de outras minúcias doutros andamentos
De por exemplo Lisboa, Cidade não-Coimbra
Mas um pouco minha afinal por em ela eu
Sozinho como a Ursa-Polar entr’estrelas
Já então eu era pai de Filha mas sozinho
E olhai que ser sozinho em Lisboa é pior
É pior do que ser sozinho em Coimbra
Ser sozinho em Coimbra é apesar de tudo
É apesar de tudo ser reconhecido por alguém
Eu tenho passado a vida a reconhecer ninguéns
A começar por & sobretudo ao espelho
Esse senhor-rapaz a que canhotamente faço
A que canhotamente faço a barba, rapo a espuma
Como a onda do mar-figueirense, o da Foz
Onde o Mondego morre para renascer Atlântico
Estoril-Praia Recebe Este Domingo o Sporting
Mas só o meu Tio Alberto sabia de Ciclismo
O meu paterTio Alberto de pern’amputada
1914-1980, parece pouco mas
Parece pouco mas foi eternitarde tal vida
Alberto dos Santos Abrunheiro
Solteiro como as freiras da superstição
Quem te desse um quarto-com-WC
Numa casa em que crianças
Em que crianças te chamassem Tio ou Pai
Não percebo é o lixo pelo chão
O cansaço chamado despejo
O ires-t’embora-&-nem-um-beijo
Me molhe a cara de tua feição
Onde (antes disto dos híbridos), onde?
Digo: onde antes disto-híbrido mudar-o-óleo?
Digo: Ganho um dia ou perco a noite?
Que horas são as gastas em tribunal?
Qual é, se não outra, a magreza branca
De Albert Camus (1913-1960), à face de Paris ?
Albert (é justo) Prémio Nobel
Alberto é o meu Tio
A Brutidade é outra coisa
Existe onde campeia a ignorância
No meu Portugal, o CDS de Adriano Moreira
Esse mesmo CDS, sim
É hoje de um miúdo daqui perto
Mas só depois de ter sido do Portas
Do Bloco, perdão, Miguel, perdão
Independente
Perdão
Porra-porra
Ainda agora enterrámos o Sampaio
& nada de 25-de-Abril nem 28-de-Maio
Esperai(-o)
Deve ser difícil ser um amputado
Pelas minhas (de Pai) contas em 1933
A gangrena é do carago, corta muito
1933 é o da Constituição Salazarenga
1933 é o do Hitler subido a Chanceler
Mas 1933 é também & sobretudo
O do nascimento de Ruy Belo
O do nascimento de António Osório
Falei de Alberto dos Santos Abrunheiro
& falei de 1933
Mas só em 1943 é que
É que se casam as pessoas
Homemulherdemeumal&bem
Pai & Mãe
25-de-Julho-de-1943
Casamento do Irmão de Alberto
Daniel, o Noivo
Com
Hermínia Leite dos Santos
A belíssima noiva
Morena & branca & grávida
Linda como os poentes-de-postal
Mas sem postal nem fotógrafo
Miúda afinal apanhada simples
Na corrida-Schopenhauer da progénie
Falo devagarinho
A quem ouve pouco
É regime de louco
Nada pão ou vinho
Datas esquecidas
Esforços deitados
Papéis apontados
De nuvens já idas
Lado de nascente
(Com o berço posto)
Mistura-se a gente
Mesmo a contragosto
Há-de sempre ser
A pessoa estranha
Se portuguesa Espanha
Ou Portugal nascer
Pequena esperança
Nascida do nada
Tem resposta-pronta
Dessa pequenada


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Canzoada Assaltante