© Alberto Giacometti
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Sexta-feira,
5 de Março de 2021
Três existências ali vão:
duas mulheres & um cão.
Toby, senhora & criada:
isto sendo tudo, como se fôra nada.
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Por momentânea impossibilidade de singrar nauticamente pelo mundo polar, não saio deste quarto a que voltas dou – à maneira do bom Xavier de Maistre evocado pelo boníssimo Garrett.
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Por exemplo, 1976.
Velho ruricultor de chapéu.
Velha de negro entre galinhedo.
Dois rapazitos voejando quais andorinhas.
Índole da paisagem tratada.
O doido da aldeia: Benjamin Escarota.
Outro chapéu em outra decana cabeça.
Lume ao vivo em terreiro de espera.
Um belo cão sem dono com sono.
Justiça transparente de existir.
Correnteza de águas: vidro liquefeito.
Cortadores de erva inclinados à Van G.
Espasmo de cor rútila, rude, explosiva, bruta.
Gente, em um instante, de feraz a feral.
Rapariga da cidade vinda a ver avós.
Relógio, candeeiro a petróleo-rosa.
Valentim afina o bandolim.
Acerca-se de pronto o Escarota.
Mansidão bovina, mofina, idiota.
Anda toupeira pelo subjardim.
De tudo o que é já demasiado tarde, nem cedo te lembres.
Na cave-jazz, fumo & espanholas, cigarros sem-filtro.
Se em solidão, então discurso-indirecto-livre.
A cada vaqueiro, seu monólogo.
Belarmino, Teodorico, Prazeres, Preciosa.
Relampeja na campina: fósforo de Deus.
Pena é que te enfastie esta tanta paz.
Olha, vai-te embora.
Sente-se cá a tua falta como a da fome.
Foste putanheiro, retornaste fodido.
Santorros grosseiros, fradalhões bonachos.
Cristo espadeirando moirama em Ourique.
Vem o carvoeiro, faz fraca venda (diz ele).
Em uma das casas-operárias, conversa o casal ao serão.
Projectam coisas, situações, posses, prazos.
A fábrica encerrar-se-á em três anos.
Desconhecem-no, claro, não são bruxos.
A década amadurece de estios terminais.
Sou dela testemunha parcial.
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Muito outrora se me faz ora na hora.
Disponho de um manancial de recursos.
Combato a incerteza com o dicionário.
Há coisas que sei, amealho-as avaramente.
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