© DA.
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Quinta-feira,
4 de Março de 2021
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Clichés fotográficos não esgotam o manancial. Ajuntam-se-lhes os linguísticos: fúria-espanhola, pontualidade-britânica, neutralidade-suíça, rigor-alemão, gesticulação-italiana, formigueiro-chinês, burrice-americana, urso-russo, saída-à-francesa. Tudo para inglês-ver.
Nemésio a cavalo do Tovim ao Dianteiro. Wenceslau de quimono. Pessanha em bruma opiácea. Cesário erguendo a giga de hortícolas. Miguéis entre arranha-céus. Sena estudando tudo & todos. Brandão podando. Aquilino conspirando. Gomes Ferreira com um filho preso. Sttau de despensa guarnecida (vendo-se na prateleira primeira litradas de óleo-de-frigir). Abelaira de voz apifarada como agora o Zambujo-cançonetista. Soeiro à saída da fábrica. Redol fluvial. Vergílio de camisol’amarela. A Espanca de gargantilha. A Natália sonolenta de rímel. A Botelho mui pràfrentex. As Três-Marias causando alopecia aos fradalhões-de-repartição. O Assis Pacheco atulhando-se de meia-desfeita. O Hermínio da Assírio doido por versos. O Herberto com sua rábula ermitã. O Pacheco mendigando posteridade. O Cesariny & o Cruzeiro Seixas de peidas enroscadas. O Ferro armado em marquesa-d’alorna-comba-dão. O Almada boiando tipo-rolha. O Pessoa(l) recolhendo-se à cela onde uma arca vibra sem que lhe toquem. O Esfinge-Gorda à espera de paternal avença. O Amadeo morto quase criança. O O’Neill sem ilusões. O Dionísio ao serviço. O Graça Moura de serviço. O Fialho & o Pulido Valente (V.) atirando-se pêras verdes às respectivas fuças. O Alçada pachorrento como moléstia de coelho. O Victorino d’A. assombrando o indígena. E o Vilhena cagando em tudo & todos, que isto hoje é só p’r’amigos.
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(…) time-obsession was common to most middle-aged men once they’d begun to feel it making up on them.”
A citação é de The Time Keeper, uma narrativa breve da escocesa Elspeth Davie. Ao lado do livro de onde a extraio, o Gatito dorme em doce abafo. Não poupo ratina para com ele, que felpudamente cochila em lã berçária.
São Pedro manda hoje luz glauca, invernal, boa para confinamentos voluntários ou não. Penso sair amanhã um pouco, apostar dois euros & ½ no euromilhões, comprar pão fresco, andar mascarado pelo bairro como destronado rei-momo da viral comédia. A ver se. Tenho ante mim mais imagens a tratar entretanto.
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Figura feminina toda de preto em escada interior de mansão.
Almácega em pátio empedrado de quinta-moagem.
Pilha de revistas em sala-de-espera de médico-dentista.
Carteiro, esperando que pare de chover, a pensar na filha.
Jardim público com anjo de pedra, roseiras altas como deusas.
Exumação de restos em cemitério despejado por imobiliária.
Sinédrio de alcoólicos-anónimos debitando desperdícios vitais.
Dramaturgo justamente célebre chorando na latrina.
Casalito de crianças adentrando em maravilha um bazar de brinquedos.
Animal caído de exaustão na via-pública. Pública ou crucis.
Monturos de neve diligentemente apartados por velhos.
Aos 84 anos, Lovisa Gustafsson finalmente em paz.
Figura masculina toda de preto em escada-de-incêndio.
Roupa a secar: as camisas como se crucificadas.
Cama desfeita sem que alguém ajude a refazê-la.
Nuvem pesada como dívida-de-sangue.
Júlia, mãe de Virgínia, solteira ainda, colhendo espuma-marinha.
Mãe & filho esperando na rua a abertura dos Correios.
Homem casado com Petúnia, amancebado com Suzy.
Tony Weare & Blake Edwards criando felicidade juvenil.
Encerramento para sempre do Teatro-Circo do Príncipe Real.
Ridiculamente religiosa & religiosamente ridícula: a genuprostração.
Animais famélicos acorrentados por subgente.
Sharon Tate tomando água fresca no alpendre em sombra.
E os que lhe entram em casa sem convite nem remédio.
2 comentários:
"Penso sair amanhã um pouco, apostar dois euros & ½ no euromilhões"
~E o que fará se lhe sair tanto milhão?
Bom dia, Cid.
Se me sair tanto milhão, naturalmente compro umas rodas para que este blog aí chegue ainda mais depressa. :)
Saúde, amigo, grato pela sua diária atenção.
DA
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