© René Magritte (1960)
15.
LÓB’STÓRI ETC.
Coimbra, domingo,
9 de Fevereiro de 2020
I – Lób’Stóri
Lá
quando a minha virginal pureza
Houve
de ser obstada pelos anos,
Desenganada
foi de mores enganos
De
que é pródiga a fibra da tristeza.
Aos
dezassete, amei a januária
Rosa
da minha terra primitiva.
Nunca
eu soubera (nem sequer de outiva)
De
singular (mas multitudinária)
Beleza
insuportável, minha vida.
Dela
sou de nascido à despedida.
Imaginai
a moeda de prata
Banhada
do luar mais argentino.
E
eu aos dezassete (’inda um menino)
Bosquejando
floresta que me mata.
Devolvei-me,
Vos rogo, a minha vida
Descuidada,
sem cio nem projecto.
Esvaí
mocidade – e hoje, abjecto,
Conto
cravos na mão anoitecida.
Lá
onde a minha pródiga tristeza
Não
era ’inda o pão à minha mesa.
II – Sepelín
A
minha Mãe morreu a um 3 de Março.
O
Pai dela morreu a outro 3 de Março.
Corda
da minha morte já esgarço,
O
meu viver já não dura um terço.
De
algo haver nascido já fiz corso
(e
as mais vezes até figura-d’urso).
Sou
feliz devagar em Santo Tirso
Roendo
a unha até ao metatarso.
Sofro
de literatura-sem-remédio,
Combato
como posso spleen & tédio.
III – Kinda Poirot’s Miss Lemon
Errático
fio de limão erra
À
flor da terra que ’inda respiro.
Aroma
é subtil – eu o profiro
Ao
zénite fresco da minha terra,
Que
Coimbra se chama para sempre.
Senti-o
há pouco: vinha bem pre-
parado
a sorvê-lo por os quintais
que
do campo em minha urbe são sinais.
(Sou
ora, da rima, soldado sem pré.)
IV – Rã & Filha
Rua
das Rãs, entardenoitecendo
o
Domingo-dos-Pobres-Coitadinhos:
vim
a casa-de-pasto cujos vinhos
em
vida à morte deixam esquecendo.
Pode
até ser a Leonor algum dia
saber
do pai dela domingos quantos
a
solidão ser febre que fervia
alimentos
não-dados, só encantos.
V – Possibilidade
Não
vês como subo à vida & desço à morte,
não
lês a biblioteca que ora te deixo?
O
meu Tio foi Alberto, Catorze-Oitenta/XX:
finalmente
dorme o avesso do vivido.
É
impossível fazer coincidir
a
essência co’ existente do mesmo corpo.
Eu
sou todo o Irmão perdido, mas existo
–
e o Estado conta comigo até ao mármore.
Em
Queluz & Madrid, o senhor Ruy Belo
às
vezes a tinta azul assinalou
o
amanhã que já ontem passou.
A
minha Leonor fez-se à vida,
as
horas dela conto invisíveis:
mas
dela os instantes são possíveis.
VI– (...)