Berenice Abbott
El at Columbus Avenue and Broadway
c. 1935-39
© Berenice
Abbott/Commerce Graphics Ltd, Inc.
7.
CASAL, OU NEM
TANTO ASSIM
Coimbra,
quinta-feira, 30 de Janeiro de 2020
Casal-de-cegos-homem-&-mulher
na paragem. Parados na paragem-bus, ao abrigo da morrinha. Já a noite januária
atracou ao cais da terra, já a Cidade expede para os subúrbios as formigas
transitórias.
A
beleza destas coisas cessa jamais de cativar-me. Testemunho a hora imune a
julgamento. Participo do anonimato. Farejo o chão. Ajo na perfeita
im(p)unidade. A engenharia do apagamento é capciosa rosa.
Vem
o cinquentão magro de jaqueta-napa à sandes de petinga frita. Bebe laranjada,
para geral espanto dos circunstantes. Sapatos afivelados à época-Bocage, meias
baratas & pretas, biqueiras tristes.
Sem
mulher, outro vem. Este é de pança rotunda, braço esquerdo doente, unhas
amarelas agrafadas a esterco aos dedos manuais. Infeliz como as casas
devolutas. Só nunca fugiu por jamais ter tido lar, só casa.
8.
SÁBAD’ÓRFÃO –
alguns aspectos
Coimbra, sábado, 1
de Fevereiro de 2020
I
Já
o sábado corria em dele a suficiência merencória,
já
um dos eus que povoam as calhas & as quelhas
acertava
errantemente pela simplicíssima glória
de
estar vivo à chuva-inox & às flâmulas vermelhas,
quando:
II
Já
há muito vinha d-existindo a tropa civil
nascida
por aqui, gasta de cancros & pobreza,
eu
anotava os hábitos, os óbitos – mais a vil
mania
de morrer sem roupa lavada, cama ou mesa.
E
então?
III
Então
era já (todos éramos já) súbditos do acaso,
súbitos
também, pois tão efémeras efabulações
nos
consistiam, prosaicos & daninhos, só conciso
em
nós o nada(-em-)breve de nossas condições.
Assim:
IV
Fez-se-nos
interior o anterior que pudemos
como
cantar de pai & mãe os tantos invernos pré-natais,
quando
deles o amor não ia em carnavais,
nem
nós éramos eus de outros ’inda mais ermos.
Ah
sim:
V
Sim,
a mental gengiva já novocainizada,
dormente
em pedra-pomes, extracto o dente
da
sideral solidão do órfão, esse duplo nada
que
se vê à cidade-a-sós sem mais parente.
Mas
não chores:
VI
Isso
não, que bem mais vale cagar ameixas
do
que prantear o erro crasso que é o da crença.
Já
o sábad’órfão diz (se tu o deixas)
recados
d’hoje p’ra futura lembrança.
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