26/03/2020

VinteVinte - 7 & 8 (integrais ambos)


Berenice Abbott

El at Columbus Avenue and Broadway

c. 1935-39
© Berenice Abbott/Commerce Graphics Ltd, Inc.



7.


CASAL, OU NEM TANTO ASSIM

Coimbra, quinta-feira, 30 de Janeiro de 2020



Casal-de-cegos-homem-&-mulher na paragem. Parados na paragem-bus, ao abrigo da morrinha. Já a noite januária atracou ao cais da terra, já a Cidade expede para os subúrbios as formigas transitórias.
A beleza destas coisas cessa jamais de cativar-me. Testemunho a hora imune a julgamento. Participo do anonimato. Farejo o chão. Ajo na perfeita im(p)unidade. A engenharia do apagamento é capciosa rosa.
Vem o cinquentão magro de jaqueta-napa à sandes de petinga frita. Bebe laranjada, para geral espanto dos circunstantes. Sapatos afivelados à época-Bocage, meias baratas & pretas, biqueiras tristes.
Sem mulher, outro vem. Este é de pança rotunda, braço esquerdo doente, unhas amarelas agrafadas a esterco aos dedos manuais. Infeliz como as casas devolutas. Só nunca fugiu por jamais ter tido lar, só casa.



8.

SÁBAD’ÓRFÃO – alguns aspectos

Coimbra, sábado, 1 de Fevereiro de 2020


I

Já o sábado corria em dele a suficiência merencória,
já um dos eus que povoam as calhas & as quelhas
acertava errantemente pela simplicíssima glória
de estar vivo à chuva-inox & às flâmulas vermelhas,
quando:

II

Já há muito vinha d-existindo a tropa civil
nascida por aqui, gasta de cancros & pobreza,
eu anotava os hábitos, os óbitos – mais a vil
mania de morrer sem roupa lavada, cama ou mesa.
E então?

III

Então era já (todos éramos já) súbditos do acaso,
súbitos também, pois tão efémeras efabulações
nos consistiam, prosaicos & daninhos, só conciso
em nós o nada(-em-)breve de nossas condições.
Assim:

IV

Fez-se-nos interior o anterior que pudemos
como cantar de pai & mãe os tantos invernos pré-natais,
quando deles o amor não ia em carnavais,
nem nós éramos eus de outros ’inda mais ermos.
Ah sim:

V

Sim, a mental gengiva já novocainizada,
dormente em pedra-pomes, extracto o dente
da sideral solidão do órfão, esse duplo nada
que se vê à cidade-a-sós sem mais parente.
Mas não chores:

VI

Isso não, que bem mais vale cagar ameixas
do que prantear o erro crasso que é o da crença.
Já o sábad’órfão diz (se tu o deixas)
recados d’hoje p’ra futura lembrança.

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Canzoada Assaltante