Ilustração colhida do blog The Red Hand
6.
DONAS DO S.E.
Coimbra, de 22 a
24 de Janeiro de 2020
I
A
mulher de preto-e-branco na estepe.
Veio
sozinha e é a sós que se pretende.
Dispõe
de meios e conhece os seus fins.
O
vento é intenso nesta área despovoada.
Fissuras
na terra e na pedra alertam-na.
O
primeiro ano já acumula trabalhos finais.
Alguns
dias & muitas noites ficaram nas cartas.
Parece
de descabelada ficção ter passado um século.
Enquanto
a mulher única se desmaterializa,
um
certo homem guarda dela papéis sem cópia.
Parece
haver pureza no que se dizem por escrito.
Ele
nunca a visitará na estepe, não há sinais.
Ela
sim, vem tomá-lo à metrópole algumas vezes.
Aqui,
sinto alguma indecisão: que homem?
Como
lhe chama ela? Artur? Alfredo?
As
cartas nem sempre são explícitas, pois não.
Nada
sobra da casa original na estepe.
Ela
não legou filhos ao tempo vindouro.
Duradouro,
o trabalho dela, que continua primevo.
Hoje
é mui mais esquecível do que ela.
Digo:
hoje, o dia em que escrevo sobre ela.
Uma
fotografia guarda-a à face de um lago.
É
uma imagem que lhe presta fidelidade.
Nem
Artur nem Alfredo constam daquela água.
II
Em
manhã remo(r)ta de século já impossível,
homem
& rapaz cavalgam por pedra & neve.
É
império deles tão-só o instante mesmo indo-se.
A
sabedoria do adulto transita o moço.
As
duas montadas tramitam resignação paciente.
A
uma hora do meio-dia atingem a meta.
É
um edifício da mesma natureza da noite.
Pouquíssima
gente o integra, naquela hora. Ou era.
III
Anselmo
ou Adão? Anselmo e Adão?
Hesito
de plena indeterminação.
Seja(m)
um ou dois, importa a caça ao instante.
Digo:
apenas importa o instante (apenas) eterno.
Árvore,
adobe, pedra – tudo sem condescendência.
E
a emersão das linhas até então afogadas.
Algumas
delas, da Praia da Consolação.
Algumas
outras, do Yosemite, lá tão longe.
Quando
se pensa na insignificação geológica do humano,
é
terrível, a pessoa queda-se petrificada.
Suaves
cinzentos prometem olvido indolor.
Anselmo,
Adão, Artur, Alfredo: mulher alguma.
Emoção
estética: esse opiáceo esplendor, sim.
Filtros
íntimos protegendo a autopreservação.
Como
cada concerto: o pianista toca(-se) outro.
Daí
que Anselmo ou Adão e Anselmo e Adão.
IV
Deve
dormir bem aquele que merece a luz.
Aquele
que por dentro se despiu sem espelho.
Se
se sabe irremediável, acha-se remediado.
Merece
pois dormir sem sonhos alienígenas.
Nada-zero
importa o que dele pensem ou ladrem.
Podem
distância & proximidade ser sinonímia.
Volitivamente
suportar a desmesura do inevitável.
Por
exemplo, aquele sol da tarde no ano-dez/XXI.
Nunca
o lamechas, jamais o choramingas.
Sempre
o etern’efémero, sempre o único-plural.
Pobres
pessoas, essas que são putas sem precisão.
É
entre o riso e o pranto que fica a terra-de-ninguém.
Obsolescência
fatídica da máquina como do sentimento.
Só
enfim a árvore-fruteira, a pedra ao sol.
Só
enfim o animal em descuidada majestade.
Ali
mais para o bosque, por onde o trilho.
Severo
declínio aguarda aquele que precoce não parte.
Isso
parece injusto como aparece certo.
Uma
verdade interior faz de vento vibrando vidros.
Essa
verdade é a que se leva para o sono.
Essa
verdade é a que traz o melhor sono.
E
o pior também, esse dos sonhos não-mentirosos.
Depois
a manhã vem ser milagre.
E
a noite é perdoada, afagada a frio.
Tudo
– desde que a sós.
O
resto é todo ele feito de raspagens.
Permanecem
umas quantas luzes-guias.
Sinuosamente
recta, a via/vida ondula.
Aquele
que desperta, esse não espera.
Desespera
quem espera, tal tem força de lei.
As
putas esperam.
Ali
delas o trilho, por onde o bosque.
V
Outra
senhora dá cena de si em imagem verbal.
Está
em casa, trabalha à luz de janela alta.
Faz-lhe
bem, a perfeição de fora: verdura, lago.
Senta-se
por meias-horas, levanta-se, deriva, levita levezita.
Trabalha
sempre, mesmo que dormindo.
Consegue
lançar pontes duradouras d’aquém-si a si-além.
Lançada
uma, vai desta à necessária seguinte.
Celebro
a imagem dela – de lilás, nessa manhã, por pura, púrpura.
A
propriedade de cenas afins abasta-me.
Enquanto
ela trabalha, quando é lida.
Agora
que morta, dona do século extinto.
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