3.
NO DOMINGO DA
IDADE
Coimbra, domingo,
12 de Janeiro de 2020
I
Iça-se-me
do chão a idade já ínclita
Aos
papéis tenho eu andado a vida toda
Egrégio
me não sinto mas que se fôda
Eriça-se-me
na nuca a vida súbita.
Toco
em gaze etérea teu rosto demorado
Sou,
olha, este do lápis sem comércio
Para
aqui vir poupei o meu sestércio
Já
a noite subo em plano-inclinado.
(...)
Deixemo-l’ora
a ambos, curtamos a sossega
Apartada
velhice nos desagrega
Zero
nos vale o chorar oceanos.
II
Troquei
algumas palavras com Duarte
Um
do trio filial do grande Ruy Belo
Foi
por & para mim como estandarte
Erguido
ao que me na vida é singelo.
O
mesmo fiz com Armando Silva Carvalho
Poeta
outro grande ele também
Era
então ’inda viva a minha Mãe
E
eu ’ind ’era útil, tinha trabalho.
É
domingo, vim dar a volta, vim a versos
Pouca
gente na rua, assim ’nha vida
A
qual por certos factores mui diversos
Se
tem feito sumária & até comprida.
Cumprida
é q’inda não, não sei que falta
Tenho
de perguntá-lo à minha malta
Elos
que ainda tenho na corrida.
(É
palavra q’inda não tenho respondida.)
III
Esta
senhora diz que se abastece p’ra todo o mês
Na
hipersuperfície ali ao pé da capela velha
Manda
à merda o cheque que por baixa da mesa
Recebe
do alemão dono a quem faz a limpeza.
Diz
ela que sempre lh’acaba por compensar
Não
andar à toinha p’r’aqui-p’rali
Promoções,
é tudo igual em toda a parte
(Mas
eu é que troquei palavras com Duarte).
(IV)
(Domingos
houve já em que eu ia
Almoçar
à minha Mãe, já então viúva
Éramos
só(s) – e o que chovia
Era
então sem sal, tal pranto à chuva.)
V
Compreendo
os adoradores do Verão em bronze & ouro
Eu
sou d’outro totobola bem mais invernal
Gosto
de brumas inglesas mas sou de Portugal
Se
calhar hei delapidado tão bruto tesouro.
Peixe
n’água sou se acaso chove
E
parnaso canta vento nas arestas
Tragédias
alheias são-nos festas
D’egoísmo
o nascer se mal recobre.
Vim
desfazer-me gente nestes areais
Canaviais
vergam a dor da cerviz
(Pelos
olhos, Mãe; p’lo Pai, nariz)
O
mesmo nada somos sem menos nem mais.
VI
Sobe esta ladeira sem pressa de
destino
Descuida a alheia ’nóia, trata da
própria
Pandora abre as pernas à Cornucópia
Ali não servem mal, ó meu menino.
VII
A praceta macadamaram – mas
pouparam
O pé da oliveir’antiga q’ali
viceja
Bem tal fizeram, q’à alma beija
A visão de tais ramos, mui nos
amparam.
O bairro é sossegado, não há
ciganos
Os anos vão matando ’vagarito
O sol arde d’empenas de granito
Erramos perdoados desenganos.
Um par de pardalito na calçada
Lê co’ biquito o chão cujas
migalhas
Lhes são o duro mel à mão-beijada
De Deus, esse patrão das vis
canalhas.
(...)
Deram as quatro já (que são
dezasseis)
Nem sei por que raio abrem aos
domingos
Os donos deste estanco, gente aos
pingos
Acorre a gastar só dois-mil-réis.
(Mas a minha oliveirita
Velha-relha-&-bonita
Resiste ao macadame
Em mim tem quem na ame.)
VIII
O teletransporte existe há
milénios
O
múltiplo-cego-clarividente-Homero-aí-está
-Que-mentir-me-não-deixa-a-demonstrá-lo
A senhora minha Mãe liga-me lá de
1924
Atendo, ó senhora Mãe, aqui seu
filho, ano VinteVinte.
Gasto os meus sestércios em limpa
cacofonia
O corpo um dia falha-me, há-de ser
dia
Talvez de noite, isto é como,
digo, Queluz
Ruy Belo veio a sós a casa
preparar candidatura
A morte o entorpeceu, ser Belo é
tal Beleza?
É Domingo-em-Coimbra, não há mor
tristeza
Que a do Domingo-Coimbrão, este
d’Eu-sem-Pais
Olho as pedras gastas, soletro as
toponímias
(E as lágrimas não-choradas são
exímias
A dar soluço-ares, & uis, & ais).
(...)
Eu não escrevi o Alexandre Bissexto mas disse-o
Ao Autor mesmo, em Coimbra, ali no
Tivoli.
O homem aceitou-me a franqueza-
Havia versos na mesa, a coisa
correu bem:
E eu era limpo como filho da minha
Mãe.
O teletransporte existe etc.
IX
(...)
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