4.
FIGURAS DE
SENTINELA
Coimbra, terça
& quarta-feiras, 14 & 15 de Janeiro de 2020
I
Vento
noctívago envolve a minha casa
Ancestral
remoto cântico ele me soa
O
planeta vive além do que viemos ser
Fala-nos
mas não parece escutar-nos
É
preciso que tal nos não assuste
A
natureza do real é a real indiferença
De
menos valemos no dito cômputo geral
Hemos
a entreter a passagem
Vai
usando mais força o vento lá fora
Vale
a vela não t(r)emer aqui dentro.
O
calendário como a árvore despede folhas
Nós
somos os dias possíveis, por mais improváveis
Brincamos
aos deuses como crianças criminosas
Uma
rajada de vento nos leva sem preço
A
Beleza rarefaz-se, é demasiado ontem ela
Esse
vale defronte não aceita casas
Lápides
são quanta escrita ele consente
Sentado
na cama confir(m)o o despovoamento
Na
vida o meu papel é este papel
Tarde
de mais para usar outro corpo.
A
tal voz antiga oponho a antiga viva em mim
Não
faz mal que pareça ser só de lápis
Palavras,
trá-las o vento
Aceito-as
como me aceitam as pombas o pão.
II
Um
homem retira-se no campo a sul do país
Resguarda-se
em casa de pedra & madeira
Dois
veios subterrâneos dão-se a pequeno lago
O
país do homem não é o-meu, é o só-dele
Entre
nós há apenas este papel sem mais
Não
é muito nem nada mas quanto basta
As
cidades foram desertadas, são já só nomes
Os
anos são todos a descer como ladeiras sem topo
Um
dia é em si mesmo uma pátria peculiar
Um
homem é essa diária pátria até de noite.
III
Choupal
& Sherwood acabam fundindo-se
Não
se dá nisto passe-de-mágica barato
Trata-se
tão-só da vi(d)a que me tracei
Fundir
bosques em papel, viver para eles mais que deles
Sob
colmo & entre tábuas a animal vida
Entre
capas papéis relevando a direita
O
vento da noite fez a cama à terra da manhã
Bem
mais triste era decerto Paris em 1940
Chamamos
agora ao aqui que nos resta
Cada
um trate enfim de sua festa.
IV
Acede-se
a locais propícios sabendo aprender
Sendo
claros os limites impostos ao corpo
Cabe
à mente ser imperial & imperiosa
Na
infância demoram pétreas as fundações
Nela
o país vive de tesouros nomináveis
Corteses
modos enformam já brandos gestos
Tudo
é aprontável a olhos limpos
As
artes resgatam a novidade de cada liberto
Aves
viajam o país aéreo, a pátria alteada
Conhecê-las
é ir com elas pela subida palavra.
V
Vai
a coligir mantimentos um senhor Guilherme
Idalina
a mulher é doente, não sai de casa
Guilherme
administra os proventos particulares
A
mulher entretém o corpo entre retratos
Já
de torno vem o marido cuidadoso cuidador
É
um filme regular como dantes as estações-do-ano
Caminha
ele a passos pela paciência amestrados
Vem
içando-se um vento tractor da noite
Murmuram
já as áleas arbóreas do trajecto a fazer-se
Guilherme
chega-se a Idalina, fá-la menina, agasalha-a cerce.
VI
Figuras
de sentinela ao chão do mundo
Confir(m)o-as
da janela apenas entreaberta
É
tudo um ingente quintal, esse mundo
Vale-lhe
o vento reordenador, cantor, vigor
A
estas horas e nós por aqui ainda
Amanhã
é a mais talvez das palavras
Este
corpo é lenha e nós ardemo-lo
Vale este vento dando alma aos elementos, às
sentinelas.
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