30/03/2020

VinteVinte - 15 (quase todo)



© René Magritte (1960)




15.

LÓB’STÓRI ETC.

Coimbra, domingo, 9 de Fevereiro de 2020



I – Lób’Stóri

Lá quando a minha virginal pureza
Houve de ser obstada pelos anos,
Desenganada foi de mores enganos
De que é pródiga a fibra da tristeza.
Aos dezassete, amei a januária
Rosa da minha terra primitiva.
Nunca eu soubera (nem sequer de outiva)
De singular (mas multitudinária)
Beleza insuportável, minha vida.
Dela sou de nascido à despedida.

Imaginai a moeda de prata
Banhada do luar mais argentino.
E eu aos dezassete (’inda um menino)
Bosquejando floresta que me mata.
Devolvei-me, Vos rogo, a minha vida
Descuidada, sem cio nem projecto.
Esvaí mocidade – e hoje, abjecto,
Conto cravos na mão anoitecida.
Lá onde a minha pródiga tristeza
Não era  ’inda o pão à minha mesa.

II – Sepelín

A minha Mãe morreu a um 3 de Março.
O Pai dela morreu a outro 3 de Março.
Corda da minha morte já esgarço,
O meu viver já não dura um terço.
De algo haver nascido já fiz corso
(e as mais vezes até figura-d’urso).
Sou feliz devagar em Santo Tirso
Roendo a unha até ao metatarso.
Sofro de literatura-sem-remédio,
Combato como posso spleen & tédio.

III – Kinda Poirot’s Miss Lemon

Errático fio de limão erra
À flor da terra que ’inda respiro.
Aroma é subtil – eu o profiro
Ao zénite fresco da minha terra,
Que Coimbra se chama para sempre.
Senti-o há pouco: vinha bem pre-
parado a sorvê-lo por os quintais
que do campo em minha urbe são sinais.
(Sou ora, da rima, soldado sem pré.)

IV – Rã & Filha

Rua das Rãs, entardenoitecendo
o Domingo-dos-Pobres-Coitadinhos:
vim a casa-de-pasto cujos vinhos
em vida à morte deixam esquecendo.

Pode até ser a Leonor algum dia
saber do pai dela domingos quantos
a solidão ser febre que fervia
alimentos não-dados, só encantos.

V – Possibilidade

Não vês como subo à vida & desço à morte,
não lês a biblioteca que ora te deixo?
O meu Tio foi Alberto, Catorze-Oitenta/XX:
finalmente dorme o avesso do vivido.

É impossível fazer coincidir
a essência co’ existente do mesmo corpo.
Eu sou todo o Irmão perdido, mas existo
– e o Estado conta comigo até ao mármore.

Em Queluz & Madrid, o senhor Ruy Belo
às vezes a tinta azul assinalou
o amanhã que já ontem passou.

A minha Leonor fez-se à vida,
as horas dela conto invisíveis:
mas dela os instantes são possíveis.

VI– (...)

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Canzoada Assaltante