Código do Trabalho? Qual trabalho?
É
a canalhice mais recente da alegre rapaziada que nos (des)governa. A partir de
Agosto, o trabalhador vê-se, de vez, relegado à condição de espécime
cinegético. Isto é: o empresariado monta a caça ao pato – e o trabalhador faz
de pato. A dezena de principais mudanças são todas para pior. Não há uma cereja
sequer entre as lentilhas do prato.
As
horas extras valem menos metade.
Quatro
feriados vão à vida, isto é, à morte.
Menos
férias.
Dias
de “ponte” obliterados em encerramento compulsivo.
Indemnizações
por despedimento abatidas (e de que maneira).
Critérios
para despedimento tipo moeda-ao-ar mas só com a cara do patrão dos dois lados
da rodela de níquel.
Uma
coisa esquisita chamada “bancos de horas” – como se os outros bancos não fossem
já o mais imoral valhacouto dos inimputáveis de colarinho-branco. Outra coisa
maligna chamada “lay-off”, que é para o pessoal pensar que é o novo
ponta-de-lança do Sporting ou assim.
Desobrigação
das empresas quanto à obrigação de envio de informações como o mapa do horário
de trabalho antes do início de actividade.
Etc.
Sei
muito bem qual o motivo de raiz de tudo isto: o motivo de raiz de tudo isto é a
pessoa. É o trabalhador. É o português.
Se
não fossem as pessoas, a Economia seria uma Arte. Uma coisa de papéis lindos e
de números ainda mais lindos em powerpoint. Roçaria a perfeição edénica: de
reverberante mar à porta e coruscante sol por cima, um jardim auto-sustentado e
nascido só para meia-dúzia de Adões de BMW e duas dúzias de Evas amigas do
Strauss-Kahn, do Berlusconi e, vá lá, do Pintarolas da costa lá de cima.
Para
os iluminados patriotas do pastel-de-nata e do fraseado ronceiro, vulgo os
“coisos” da Economia e das Finanças, as pessoas (sobretudo as que persistem na
incómoda mania de viver do fruto do trabalho) são o pior que lhes poderia ter
acontecido. Sem Portugueses, Portugal não ficaria atrás de ninguém no rol das
nações mais giras & bonitas & modernaças. Já nem estou a falar no
operariado que vem de fora por puro masoquismo. Estou a falar dos Portugueses,
esses curiosos gentios que não há maneira de se auto-exterminarem de vez, em
lugar de andarem a dar cabo de Portugal.
Sem
operários, sem agricultores, sem professores, sem médicos, sem electricistas,
sem jornalistas, sem juízes, sem parteiras, sem a Rosa do Café – Cavaco seria
presidente do Algarve para sempre, Sócrates seria em Paris não menos que um
Althusser, que digo eu?, que um Sartre, Coelho faria de Massamá um Caramulo sem
tuberculose e sem ponta-e-mola, Portas caçaria sobreiros a tiro teleguiado de
submarino – e o Eusébio nunca mais adoeceria e a Amália nunca teria sido
deixada morrer.
O
meu saudoso Pai repetia muito que “nada é
mais prejudicial a quem trabalha do que a presença de quem nada faz”. O
senhor meu Pai não tinha, afinal, razão: bem mais nociva a quem trabalha, é a
presença de quem, odiando a pessoa porque sim, o português porque também e
sobretudo o trabalhador porque já-agora, tudo desfaz.
Até
que alguém se chateie e o(s) desfaça.
E
não hei-de ser eu, que há mais de um ano procuro trabalho e viste-lo.
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