A claridade das primícias da tarde
embaciou-se seu tanto. Parece que o vento refrigerou de alguma cinza o ouro
largo de há poucas horas. Não vos digo que seja desagradável, porque o não é de
facto. É um pouco como se também o período vespertino seja susceptível de
melancolia. Sei muito bem – que é impessoal a Natura, mas o vício da
Literatura a estas humanações, aliás risíveis, irrisórias aliás, conduz.
Uma laranja fendida que a ganga torna azul:
o cu daquela moça ao balcão do casal senhor Manuel / senhora Adelaide. Empinada
fruta mamária, parente dos limões mamários: breves e rijos, decerto capazes de
sua citrina seiva pré-maternal. Vinte e cinco, vinte e seis anos – não pode ter
mais. Rosto e destino de empregada do comércio, 9.º ano mal amanhado, namoro
com o mesmo mecânico-auto há sete anos. Mas formoso assento cuja fofura não é
pasto estriado, não ainda, da celulite.
(...)
Coimbr’andando, sem grande ciência de
fauna, flora, arquitectura, ornitologia: por aqui me eis e tendes. Levo-me
embrulhado em um corpo comuníssimo, um metro e setenta e seis centímetros de
água, bactérias, carbono, cálcio e olhos. Menos um quilo do que os centímetros
excedentes do metro. Sapatilhas baratas, bombazina nas jambas, camiseta
algodoada como uma nuvem pronta-a-vestir. Cabelo decepado curto, nariz grande,
boca assimétrica, orelhas não ofensivas. Algum acne, ainda. Barba pouco forte.
Aparato de cão batido, corredor-por-fora, senhor de meia-dúzia de ossos mal
roídos.
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