Gravura Estival
A brisa fervilha nos álamos de beira-rio. O
resultado é um rumor de fritura mui amável e benevolente para com a respiração
e o uso da vista. Ferve fresca a tinta verde do arvoredo. Expele o momento
vespertino tremendas belas-artes de águas fortes em pi(c)toresco amplexo. É, ou
parece quase, veleidade campina. Perto da ponte, uma rapariga oferece ao sol o
decote macio, de que avulta o seio branco como uma rosa de neve. Caminha com
uma elegância de manejadora do chão, embaixando de gentileza a família que a
deu à Cidade e ao Mundo. Dois pardais catam a relva com zeloso brio &
brioso zelo. Além, uma criança usa o morango da boca para absorção de um belo gelado
de nata & avelã. Deitada ao comprido no banco de públicas ripas, a figura
jacente de um pobre-de-Deus que reconheço de andar esmolando pela gare
rodoviária: dorme sem pressa como um budista chegado ao nirvana do zen. Um cão
cor-de-camelo-torrado lambe sem pudor as próprias reentrâncias pudendas à
sombra do pórtico do mercado do peixe. Em convexo azulejo, o firmamento pulsa
nuvens com a mesma infantil fofura do algodão-doce da feira popular. Dois
polícias ainda jovens reverberam o atavio higiénico dos uniformes e o lustro
impecável das botas, que brilham como estilhaços de luz marinha. Perto da
fachada tão formosa da agência do Banco de Portugal, um altíssimo casal nórdico
emana radiações louras como um trigal (ou um relâmpago) de ouro. De bandas do
Jardim-Parque um velhote colhe na boca o esguicho de prata viva do bebedouro.
Estar vivo na hora equivale a um juramento cumprido – ou a uma promessa feita
com lealdade. Nos Correios, um pai beija o filho de colo nos olhos enquanto
espera a vez mecanográfica. Um ajudante de farmácia veio fumar à rua,
incendiando de alvura a bata lavada de fresco ontem à noite pela mãe, o que me
faz pensar na minha quase sem dor e sem remédio. Quando finalmente chego ao
café onde, todas as terças-feiras, uso montar banca escritória da crónica
para-vós-&-só-para-vós, descubro com comedido espanto que a crónica já me vinha
escrita nos olhos em hora boa e sossegada gravura que o Estio deu a mim, às
minhas amaviosas leitoras e a um que outro másculo leitor a quem os arroubos da
fraca & leviana poesia, como a que é minha, não ofendam nem as moles
vísceras nem as tímpanas ópticas, que o Estio, como aliás a vida, é breve
sopro, efémera chama e carburação asinha.
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