23/06/2012

IDEÁRIO DE COIMBRA - 20 (trechos)




20. MÃE INTERNA(DA)

Coimbra, domingo, 20 de Junho de 2010

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São de outros verdes os passos de relva e arvoredo nas tardes largas dos domingos de Junho. Também outro é o aroma das fêmeas.

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O casal de patos da rotunda que medeia a minha varanda da esquadra da PSP, na Elísio de Moura, é muito bonito. Já hoje lhes dei pão a ambos. O macho é desconfiadote, mas a fêmea deixa-se solicitar muito bem, sendo ela sempre quem primeiro aboca o maná.

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Por volta das sete e meia da tarde, a chapa do calor amaina, mitigada de fadiga. O vento levanta o tule da saia – e torna-se muito aprazível ambular ao fresco pela Cidade. Tenho intensificado o hábito de curvar-me para recolher do chão os ainda muitos lixos que gente sem civismo abandona. Deito as porcarias (embalagens do McDonald’s, paus e papéis de gelados, garrafas vazias de água mineral, tudo menos dinheiro) no contentor mais próximo e sigo, ao vento e à luz que esmorece.

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Leituras lentas e agradadas: Raul Brandão e Professor Pedro Dias. Oitenta anos exactos separam A Farsa, que saiu em 1903, e Coimbra – Arte e História, de 1983. Usufruo, aprendo, anoto – cresço alguma coisa, enfim.

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Eduardo Silvestre Gusmão Noronha prepara, por esta hora, um creme de marisco instantâneo em casa, algures aos Olivais. Não tem mulher nem filhos. Tem uma despensa onde acumula, com rigor arrumado, as comidas, as bebidas, os artigos de higiene e outras miudezas solitárias. Liga nada ao futebol. Gosta de selos e de ir ver o mar aos sábados à tarde. Fica em casa aos domingos – e a casa não tem televisor. Ouve jazz e música antiga pela internet. Lê na marquise, onde dispõe uma cadeira longa e um tamborete de apoia-pés. Tem cinquenta e seis quase completos, falta-lhe chegar ao próximo 19 de Julho, exacta quinzena posterior ao dia de Coimbra e da Rainha Santa Isabel. Depois do creme de marisco com tostas miniaturais e da garrafa pequena de maduro, prepara uma chávena de café-cevada e acende uma cigarrilha de café-creme. Ele também anda a ler Chesterton (A Perspicácia do Padre Brown). Gosta de livros de arte fotográfica, as paredes têm algumas reproduções de E. Smith e outras de Brassaï, entre outros. Deixo-o em casa.

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Descubro olhos semelhantes a animais fatigados.
Famílias que cirandam açaimadas pela deseconomia dos tempos.
Também me recolho quanto posso.
Pratico alguns versos, imagino nuvens, tento não sonhar quando a melancolia me abate.
Orlo ruas de sombra que pelo chão me duplica.
Mulher com sapatilhas de enfermeira: animais fatigados, seus olhos sem fé nem desespero.
Rapaz ao volante do jipe parado no vermelho.
Um cão solto, duas pombas libertas, um melro.

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Regressado a casa ’inda noite se não cerrara toda, lá os revi, pato & pata, na relva da rotunda – tão bonitos, tão serenos, tão uma do outro, serenos, bonitos.   

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Canzoada Assaltante