14/06/2012

Rosário Breve n.º 263 - in O RIBATEJO DE 14 de Junho de 2012 - www.oribatejo.pt





Quando um homem percebe que envelhece vertiginosamente etc.

É quando até simpatiza com o Rui Patrício mas sabe que o Vítor Damas é que.
É quando a ninfeta de sexta-feira lhe devolve em flash o clarão do rosto da própria filha aos doze anos.
É quando as pantufas beira-cama embolam joanetes autónomos.
É quando chamar “cadeiras” à zona dos rins faz sentido ainda quando as costas doem.
É quando tudo dói menos aquilo.
É quando este padre de agora parece tanto ser filho do outro que esteve cá na paróquia uns trint&tal anos.
É quando pensa que os Pais terem morrido é natural.
É quando os políticos lhe parecem (quase) todos uns cachopitos pulhas que andam a brincar às pátrias.
É quando a cadela de catorze anos lhe lembra a mãe dela e a mãe da mãe dela.
É quando o ácido láctico lhe guincha na barriga das pernas ao cabo de quatro degraus apenas.
É quando “verba” era o plural latino de “palavra” e não ainda cacau, pasta, massa, arame, couve, taco, cobre, carcanhol, guita, pilim, milho, ferro, narta, graveto, papel, bago ou dinheiro simplesmente, Maria.
É quando vê o Ben-Hur e o Pátio das Cantigas como se fosse pela primeira vez.
É quando se escandaliza com aquilo dos árabes mas percebe os judeus.
É quando olha para a mulher e não se lembra do segundo nome dela.
É quando também ele começa a comover-se nos casamentos em vez de desatar a rir-se com aquela comédia da noiva ir de branco quando toda a gente está careca e fartinha de saber que eles antes, ui, mas quantas vezes.
É quando até os gatos vesgos lhe mijam nas canelas.
É quando ele diz faça-me o obséquio e queira ter a fineza à balconista da tabacaria e à senhora dos correios e depois não se apercebe de que uma e outra o gozam pelas costas.
É quando os óculos estão onde sempre estiveram, que é na cara, e ele à procura deles por tudo quanto é canto.
É quando ele se refere ao Camões e ao Eça e ao Pessoa como se tivesse andado com eles na tropa.
E é quando o entardenoitecer de cada dia lhe sugere, em laranjal sanguíneo-poente, que aquele pode ser o derradeiro dos muitos horizontes a que lhe coube deitar vista.
É quando Maria é o tal segundo nome da mulher.
E é quando tudo se torna simplesmente.

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Canzoada Assaltante