Quando um homem percebe que
envelhece vertiginosamente etc.
É quando
até simpatiza com o Rui Patrício mas sabe que o Vítor Damas é que.
É quando
a ninfeta de sexta-feira lhe devolve em flash o clarão do rosto da própria
filha aos doze anos.
É quando
as pantufas beira-cama embolam joanetes autónomos.
É quando
chamar “cadeiras” à zona dos rins faz sentido ainda quando as costas doem.
É quando
tudo dói menos aquilo.
É quando
este padre de agora parece tanto ser filho do outro que esteve cá na paróquia
uns trint&tal anos.
É quando
pensa que os Pais terem morrido é natural.
É quando
os políticos lhe parecem (quase) todos uns cachopitos pulhas que andam a
brincar às pátrias.
É quando
a cadela de catorze anos lhe lembra a mãe dela e a mãe da mãe dela.
É quando
o ácido láctico lhe guincha na barriga das pernas ao cabo de quatro degraus
apenas.
É quando
“verba” era o plural latino de “palavra” e não ainda cacau, pasta, massa, arame, couve,
taco, cobre, carcanhol, guita, pilim, milho, ferro, narta, graveto, papel, bago
ou dinheiro simplesmente, Maria.
É quando vê
o Ben-Hur e o Pátio das Cantigas como se fosse pela primeira vez.
É quando
se escandaliza com aquilo dos árabes mas percebe os judeus.
É quando
olha para a mulher e não se lembra do segundo nome dela.
É quando
também ele começa a comover-se nos casamentos em vez de desatar a rir-se com
aquela comédia da noiva ir de branco quando toda a gente está careca e fartinha
de saber que eles antes, ui, mas quantas vezes.
É quando
até os gatos vesgos lhe mijam nas canelas.
É quando ele
diz faça-me o obséquio e queira ter a fineza à balconista da
tabacaria e à senhora dos correios e depois não se apercebe de que uma e outra
o gozam pelas costas.
É quando
os óculos estão onde sempre estiveram, que é na cara, e ele à procura deles por
tudo quanto é canto.
É quando
ele se refere ao Camões e ao Eça e ao Pessoa como se tivesse andado com eles na
tropa.
E é
quando o entardenoitecer de cada dia lhe sugere, em laranjal sanguíneo-poente,
que aquele pode ser o derradeiro dos muitos horizontes a que lhe coube deitar
vista.
É quando
Maria é o tal segundo nome da mulher.
E é
quando tudo se torna simplesmente.
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