No prédio alheio que da cozinha-casa-quarto
vejo, duas pessoas sozinhas: um viúvo no segundo, uma celibatária no terceiro.
Vemo-nos quando nos não olhamos ao mesmo tempo.
Ele lava e estende a enxugar a roupa dele.
Ela lava e estende a enxugar a roupa dela.
Ele passou os sessentas.
Ela ainda não chegou a tanto.
Talvez um e outra procurem uma lareira
acesa de gente pelos natais.
Eu não sei.
Pasto as minhas vitualhas enlatadas,
cocciono de quando em quando algum creme vegetal com um pouco de unto porcino,
avinagrazeito o meu rubicundo tomate com pedrícula de crasso sal grosso, desenfastio-me
com pão sem côdea e purgo-me de tanta moléstia nutriente com a humilde malga de
chá de casca limoeira. Outras vezes, arredo o apetite até de viver, frugalizo-me
com chávena de mistura cevada-café com mais nada. E fumo à varanda com a aura
premonitória das viúvas-cortinas que rendam o tule da rua-fora. Devo ser feliz,
só que ainda o não reconheci – porque sempre a tristeza deu, sempre, melhor
literatura. Confiro, sim, existências. Sou versado nisso. Pego em mágoas de
gente (real ou inventada) com a acuidade digital de quem recolhe do chão
caquitos de vidro.
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