20/06/2012

Ideário de Coimbra - 19 (ainda no tal dia 18 de Junho de 2010, em Coimbr'ainda)


No prédio alheio que da cozinha-casa-quarto vejo, duas pessoas sozinhas: um viúvo no segundo, uma celibatária no terceiro. Vemo-nos quando nos não olhamos ao mesmo tempo.
Ele lava e estende a enxugar a roupa dele.
Ela lava e estende a enxugar a roupa dela.
Ele passou os sessentas.
Ela ainda não chegou a tanto.
Talvez um e outra procurem uma lareira acesa de gente pelos natais.
Eu não sei.
Pasto as minhas vitualhas enlatadas, cocciono de quando em quando algum creme vegetal com um pouco de unto porcino, avinagrazeito o meu rubicundo tomate com pedrícula de crasso sal grosso, desenfastio-me com pão sem côdea e purgo-me de tanta moléstia nutriente com a humilde malga de chá de casca limoeira. Outras vezes, arredo o apetite até de viver, frugalizo-me com chávena de mistura cevada-café com mais nada. E fumo à varanda com a aura premonitória das viúvas-cortinas que rendam o tule da rua-fora. Devo ser feliz, só que ainda o não reconheci – porque sempre a tristeza deu, sempre, melhor literatura. Confiro, sim, existências. Sou versado nisso. Pego em mágoas de gente (real ou inventada) com a acuidade digital de quem recolhe do chão caquitos de vidro.

(Sangue da minha Mãe na sala e na cozinha. O Fernando limpou tudo, depois contou-me.)

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Canzoada Assaltante