65.
PINHAS
Leiria, sexta-feira, 16 de Dezembro de 2011
Tinha 29 anos, era
um homem, deixou que a vara com que varejava pinhas se lhe escapasse até tocar
em um cabo de média-tensão. Electrocutado mortalmente, entrou para a
necrocrónica de MELIDES (Grândola).
Simone Costa, 40
anos, com bebé de três meses ao colo. Dois capuzomens assaltam-na quando ao
serviço no café da mãe (dela, avó da criança). Ainda levaram 200 euros, os
meliantes, mas, de estúpidos como testos de alumínio, fugiram sem o carro.
Quando voltaram a buscá-lo, foram reconhecidos e presos. Ainda hoje se fala
disto lá por ANTA DE AGUALVA (Sintra).
Um super pequenito
do POMAR DA REBOLEIRA (Amadora) foi sitiado por dois bípedes armados de faca e
caçadeira de canos serrados, que amealharam € 250 de pecúlio alheio.
(Sim, isto são
poemas também.)
MOSTEIROS
(Arronches, Portalegre) ficou de caixas-de-esmolas profanadas, de sacrário
aberto e com hóstias espalho-vilipendiadas pelo chão do templo, isto na mesma
tarde em que, em
MONTARELOS
(Portalegre também), alguém espancou e roubou um casal de idosos, mas a
Sé de MIRANDA DO
DOURO não se ficou a rir, arrombada que lhe foi uma janela com malévolos
desígnios, os quais perpetraram caridade nenhuma às caixas esmoleres da região.
Na alongada e
lisbonense RUA MORAIS SOARES (que da Praça do Chile sobe ao Cemitério do Alto
de S. João e, dizem, à Curraleira também), um atravessado-sexual que brandia
ameaças faquistas a instantes e transeuntes acabou detido, só que, já na
esquadra, quando no WC, meteu os 700 euros no cu e (a)cu(sou) os agentes de
polícia de lhos terem gamado. Os raios-X desembustaram o rectal ardil.
A PJ não suspeita
de crime
(Sim, isto também
são poemas)
no caso do homem de
67 anos encontrado morto com/por tiro na cabeça, isto na aldeia de CUBOS
(Mangualde).
Prendia um toldo em
telhado o operário da construção civil Carlos Azevedo, de 48 anos. Morreu da
queda. Em LOUREDO (Paredes).
Encontrada a burra
Rosinha, de 17 anos, que, com outros dois animais (um burro e uma égua), fora
roubada do CANIL DE SÃO FRANCISCO (Loulé).
Pensão-Residencial
sita ao LARGO DE D. ESTEFÂNIA (Lisboa) assaltada em pleno dia. Proprietária
agredida na cabeça. Talvez por vingança ou ajuste de contas, servindo o aparato
de assalto para disfarçar o verdadeiro intento. Ali perto, nasceu há muito anos
Luiz Pacheco.
Os rios CENTEIO e
ALVIELA banham a vila de PERNES (Santarém).
BISMULA e RUIVOSO
(Sabugal) receberam ladrões de 2100 metros de cabo de cobre. Aldeias ficaram
(ainda mais) isoladas.
A IMACULADA NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE VILA VIÇOSA é Padroeira de Portugal desde 25 de Março
de 1646 (reinado de D. João IV). Tem tal título confirmado desde 25 de Março de
1936 (Pio XI). A celebração litúrgica remonta ao século VII.
*
(Nomes para a
Berlim dos anos 20/XX: George Grosz, Anita Berber, Claire Waldoff.)
*
(Enquanto escrevo,
a medida da hora torna-se plástica, permitindo a consumação festiva da
resignação à força visceral do mundo. As notas que tomei, tomei-as à conta de
subsídios por assim dizer geológicos do tempo social. Mas também como versos
simples, puros e duros e futuros. Acções e sítios, topos e tópicos: tudo em um
Portugal que acontece em câmara-lenta, dissipados os fulminantes e os sustos
pânicos dos assaltos, dos ciúmes, dos capuzomens, dos ourives, dos
pobres-de-deus deste paìzito sem vontade de memória, desta naçãozeca do cozido,
do bandolim e do esterco telúrico maquilhado a verniz-de-unhas. Tudo versos,
enfim:)
Na LAPA (Cartaxo) /
iracundo sargento /
mesmo reformado /
atira a matar.
Fernando Gaspar /
em um mau momento /
quis desluisar
Luísa / a ex-companheira. /
Luísa Mendão 74
anos / ele 68. /
Amantes há mais de
vinte / incluindo coito.
FIAIS DA BEIRA
(Oliveira do Hospital).
Gajo deu-se mal,
aos 45 anos,
por no corpo levar
litrada demasia.
Parado na via,
apurado foi portar
coisas de espantar:
caçadeira & munições,
mais uma faca e uns
bastões.
O Charroco resistiu
à autoridade.
O Charroco anda ali
por Setúbais e coiso.
Resistiu à
autoridade e injuriou-a
e difamou-a e
filhadaputou-a.
Levou um tiro no cu
que foi um mimo.
(O tiro, não o cu.)
Saiu pelo próprio
pé dos calabouços policiais
dois dias depois,
não mais.
Custódio Cantanhede
é meu nome. Três quartéis de século, a minha idade. Tenho por ali umas terras.
Trazia neste bolso que é meu desta roupa que é minha 1730 oiros que meus eram,
que os ganhei de vender oito borreguinhos que meus não são já. Dois ferozes
capuzomens me bateram e desgovernaram. Se vez próxima houver, caçadeira minha
por mim responderá. MONTEMOR-O-NOVO conheço, como a mim reconheço velho.
Caçadeira minha, sim. Levarem-me preso não receio. Ela por mim responderá. 75
anos: nada receio já.
*
Confirmação dos humores: palavras e imagens.
Confirmação da luz: vidas e frutos.
Um tempo de mulher, um tempo disto.
Oleiro trabalhando o barro do coração, não morro.
Um rapaz. A lida. A subida. A nitidez.
Os óculos. E raparigas. E uma rapariga. E o jornal.
A insuficiência moral. As grávidas. Os pêssegos.
Páginas antepenúltimas nas cercanias do Mar, um fogo.
*
Na EN 371, perto de
ARRONCHES (Portalegre), és (eras)
João Caldeira
Vieira, natural de MOSTEIROS
(a de profanadas
caixas peditórias eclesiais).
A apanhar azeitonas
tuas de tuas terras ias.
A elas, terras e
olivas, não chegaste, colhido
que foste em
bicicleta e grande aparato
por involuntário
camião. Lavaram de ti a via
e a vida. Tudo
prossegue, como se nada.
Resistem na rama os
negros olhos chorando
azeite.
Em PAREDES, existe
uma empresa de transportes urgentes chamada Tartaruga
Veloz. Trabalha para ela um condutor natural do Lordelo chamado Nuno
Monteiro. Teve azar e teve sorte, o Nuno, porque, depois de ter embatido na
traseira de um camião na A62, foi por este arrastado coisa de quatro
quilómetros desde Fuentes de Oñoro, Espanha, até perto da fronteira de Vilar
Formoso. Os bombeiros de Ciudad Rodrigo levaram uma hora para desencarcerá-lo.
Ferimentos graves, sobretudo nas pernas. E estava muito assustado.
Nada mais aconteceu – diz José Morgado, íncola de VALE
DE CÃES (Brejos de Azeitão), ante o cartaz que indica o valor da obra como
sendo de € 961.372,08 + IVA.
Que obra?
A de
infra-estruturação de saneamentos e arruamentos.
Mas o cartaz é de
Setembro.
Mas
As obras já começaram – diz a Câmara de Setúbal,
apontando o que mexe pela Rua Família Bronze.
*
(Nota-lápis
garante-me que o pintainho preto – por ter andado na lama – chamado Calimero apareceu pela vez primeira na
TV num anúncio comercial de marca de detergentes no dia 14 de Julho de 1963.)
*
Mais sítios onde
por nada ou por outro motivo qualquer: OLIVAL BASTO, PONTINHA e PÓVOA DE SANTO ADRIÃO (Odivelas); FOZ DO
SOUSA (Gondomar); CACÉM (Sintra); CANHA e PEGÕES (Montijo); FERREIRAS
(Albufeira); VILA CHÃ (Esposende); ENGUIAS (Benavente); AVELAR (Ansião,
antigamente Ancião); UNHAIS DA SERRA
(Covilhã); LORDOSA (Viseu); SÃO DOMINGOS DE RANA (Cascais); ALHOS VEDROS
(Moita); AIRES (Palmela); VIEIRA DE LEIRIA (Marinha Grande); freguesias de S.
PEDRO e da CONCEIÇÃO (Peniche); ÉVORAMONTE (Estremoz).
*
No café que a Rosa
superiormente superintende, dois portugueses chalram sobre a criação ovícola.
Excedem bem, ambos, os cinquentas – mas é-me possível descortinar neles os
moços rubicundos que foram. Medalhões faciais nutridos a toucinho e a generoso,
mãos como básculas – ou talochas – pré-artríticas, roupa de vir-à-Cidade. Dizem
oiros em lugar de euros. Depois, um deles alteia (para que
derredor se oiça e saiba) que não se importa nada de
largar cêín oiros nelas,
nelas, as putas
daquela casa-etc-e-tal ali para os PARCEIROS (Leiria).
*
(Por um mês, morei
nos Parceiros. Era pelo início do século – e eu sentia-me pouco menos que
perdido. Esses anos passaram, vieram estes.)
*
Ainda vendo muito
jogo, mesmo assim.
Alquebradas, é
certo, as pernas; trémulas as mãos:
mas ainda me sobra
por dobra a cobra do fazer.
Disponho fios de
tinta por lâminas de papel.
Vieram-me ao mundo,
aqui estou, sou Daniel.
Não receio senão a
dor alheia ao corpo.
Receio o ardor
desse amor-dor.
Nada posso contra
ele nem, quase, contra mim.
Já deixei crescer a
barba, mas não me assenta bem.
É a velha infantil
questão do menino-de-sua-mãe.
*
Os versos livres
podem servir a causa da partilha.
As pessoas que não
escrevem mas lêem, percebem.
Elas estão nas vidas
delas, afloram esta que lhes versa.
E por momentos
aceitam a lantejoula pobre
dos versos livres.
(Podem ser. Pode
ser
que aceitem a
liberdade
com que me ligo à Medusa.
Pode até ser que lhes dê
tusa.)
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