153. A POBREZA É UMA CORNUCÓPIA DE EMOÇÕES ETC.
Coimbra, quinta-feira, 27 de Janeiro de 2011
Ainda, periquita, se me periclita a saúde.
Uma vaga agonia respiratória, um não-bem-estar adentro o corpo mesmo.
O frio vem arrolando tremuras e fraquezas, que combato à conta de caldos e cachecóis.
Janeiro mora e demora-se por estes quintais do mundo-Coimbra.
Na pedra dos oratórios dorme a madeira dos santos.
O entardenoitecer encerra as igrejas uma a uma, encapsula-as no Tempo.
Cavadores sulcam panos de terreno.
Os comboios são de uma nostalgia veicular.
A jornada foi de brevíssimos arremedos pluviais.
Quartéis de horas em demanda sem o azimute do sossego (da serenidade).
Eu ando de versos. Assim:
Sucedâneos da água, das pessoas os olhos
reinventam o vidro colorido que pensa.
A cor a cores alcança, imensa, tensa,
humana como uma camisa suja,
caíd’invertebrada no chão do quarto de renda.
Nisto, passa uma mulher.
É de grande força, que suspeito
lhe residir na vontade moral entre miolos
e peito.
As montras (olhos também, das lojas) refulgem ouros pobres: brinquedos que carpinteiram infâncias, relógios por que o Tempo Homicida perpassa, presuntos cujo grená invoca a petrificação carnívora do sangue, camisas limpas, rígidas, destinadas a homens de aluguer em quartos sós, batatas fritas de pacote, óculos sem cabeça além, sapatos que defuntos estreiam para sempre ao jacente comprido, pílulas de alho para uma mocidade perpétua de mentira, máquinas de costura para avós que não há, sacadas de café que sabe a pano torrefacto, gravatas idiomáticas como línguas de seda, livros que infoliam folias as mais diversas, canetas de coral, detergente da higiene laboratorial, números que remetem para o improvável infinito de Deus, coisas do Diabo. Ou então assim:
(TRÊS SEXTILHAS PARA QUATRO SENHORAS)
Minha Mãe aluída de anos arteriais,
diz-me que ao menos a vida não é mais
que uma arquitectura de bonecas imateriais,
um caldo de fervuras hebdomadárias,
um saldo de ternuras e tremuras várias,
uma cinza de cinzas purgatórias, calvárias.
Minha Irmã da manhã, minha rosa clara,
diz-me que rara é a vida e vida e rara,
que o rosto não fica por ser mera cara,
medalha de ouro que adentro o sol brilha,
a filha do filho, do filho a filha,
e ouro de ouro, tesouro que rebrilha.
Minhas filhas, meus lírios do encantamento,
minhas certidões do valor do Tempo,
minhas florações de cada momento,
dai-me, fluviais, as águas que sois, naturais,
dizei-me que a vida não é menos nem mais
que das bonecas-crianças – e rosas – dos pais.
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