Caramulo, noite de 19 de Outubro de 2007
I
Versos: papéis-químicos mui arcaicos,
dextras linhas da canhota vida minha,
cavaquinhos balalaicos e prosaicos,
sem ferro nem fogo linha a linha:
deixai-me em paz. Vo-la peço eu,
paz: um pouco dela, sossegada,
dessa burguesa calma encalmada
de quem sai à noitinha ao coliseu
a ver as feras e, dos funâmbulos,
o esticado arame equilibrado.
Não ser do lote dos sonâmbulos
pretendo agora, que envelheço.
S’inda perante rosas estremeço?
Sim, meço e tremo, mas m’enfado.
II
Julgo que a Lua nos toma o coração.
A portuguesa beleza da tristeza mo assim diz.
Se comigo viesses a ver estas ruas dentro,
o dirias decerto também em mútuos versos.
As estrelas possíveis (os candeeiros) apagam
derredor a lucidez sonâmbula nossa
– de portugueses, em portuguesas ruas.
A ver os parques vir quererás?
Pulsam os parques auras de exiladas matas.
Correm través gás incorpóreos animalejos.
E na cisterna da memória a gota d’água
de um, dois, três beijos – ou menos – ou
nenhum. Ruas que o marinho vento
empossa a seus fantasmas julgadores, lunares.
III
Eterno, só o tempo perdido.
Dentro da vida, esse pátio
com abatido limoeiro melancólico,
o relógio de sol a sombras conta:
eternidade nenhuma, para sempre.
Caramulo, noites de 20 (I) e 22 (II e III) de Outubro de 2007
2 comentários:
"Não ser do lote dos sonâmbulos
pretendo agora, que envelheço."
Nunca será tarde para lembrar e acordar, Daniel.
Certo, Armando. Vamos tentando.
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