Fonte:http://www.masters-of-photography.com/
........................................
Levei a minha vida a uma loja de trapos
e aceitaram-ma para revenda.
Vim de lá com o coração vazio
como uma viela nostálgica de gatos e de bêbados.
As minhas mãos cheiram a cebola e a alcatrão.
Tenho poucos estudos:
tão poucos,
que nunca vi uma escola de persianas abertas.
O meu pai deve ter sido marinheiro,
que a minha mãe ficou para sempre
na maré mais baixa:
o parir sem amor antes
nem depois.
Ando entre vós pelas ruas,
sem voz.
Em todas as cidades reconheço a mesma.
Parecem-me mulheres deitadas, as cidades.
Deitadas e quebradas, não longe de um rio.
Nas estradas, animais atropelados não dizem
como foi.
Também há poucas notícias.
No Verão, os ranchos folclóricos atacam.
O mar diminui-nos a esperança e a dúvida.
Os outonos perpetuam-se no idioma.
Ao espelho, barbeio uma ausência.
Em terra, semelho uma pedra negra
de frio.
Já me aconteceram coisas.
Quando era muito pequeno, cresci tudo.
As fotografias embalsamam os dias:
os dias e a pobre gente.
Fui menino entre cães.
Oliveiras urdiam azeite e luz cinza.
Territórios cartografavam a perdição.
Hoje, não.
Hoje é o tempo que perdemos,
uns contra todos os outros.
Estou parado à berma da memória
como uma cona de aluguer.
Só dormindo volto a ser a ave masculina
pousando na água dos olhos das mulheres
todas.
O resto é o idioma do domingo
encerrador de vidas e de
lojas de trapos.
Caramulo, tarde de 30 de Outubro de 2007
1 comentário:
Este poema é a prova de que o disfórico é compatível com o belo.
Abraço, Daniel.
Manuel
Enviar um comentário