Depois da Viagem a Viseu etc. da entrada anterior, mais versalhada. Coisinhas de nada, enfim, que ontem me visitaram pela tarde. Abri-lhes a porta, escrevendo-as. Abro-lhes a janela, publicando-as. Não tem nem têm importância, enfim. (Muito provavelmente, os mais distraídos rotularão estes versos como “poemas de amor”. Não posso fazer nada contra a distracção.)
*****
1
Os teus olhos na minha cara.
Gosto deles: são de uma pureza triste.
Agrada-me deles a tristeza pura.
Que nos amemos para sempre
parece-me indiferente.
A diferença está nesses olhos
não na minha cara
sequer na minha vida deitada
fora
e longe.
2
Vou muito a sítios povoados da tua falta.
Às vezes levo nos braços o coração como a um
bebé morto.
Gosto de ver o comércio dos outros.
Não me lembro se te disse o que sinto
quando o vento nas árvores
depois na água.
Talvez algures to tenha deixado
escrito.
Não sei.
3
Sei tão pouco.
Às vezes estou na pastelaria
e a folha em branco diz-me
– Não me toques.
Di-lo com a tua voz
e olha-me na cara
com os teus olhos.
Então
toco-a.
4
Somos
um homem
uma mulher.
Nada nos falta
para sermos sozinhos
no mundo.
5
Não somos
um homem
e
uma mulher.
Tudo nos falta.
6
Peuplé de t’absence.
Peuplé de ma faute.
7
O meu peito é uma lixeira.
Também é um salão de grandes lustres suspensos
na noite setecentista.
Há um quarteto de cordas com flautista.
Não és a flautista.
És a mulher de outro homem.
Tomaste já duas contas de champanhe.
Seduzes aqui e ali
este e aquele.
Há uma bailarina com cobras no interlúdio.
Há um tigre no jardim relvado.
Não podemos sair do meu peito por causa do tigre.
O tigre esgatanha bocados de lixo.
Quero ler música
sento-me perto dos instrumentistas
não consigo distinguir as pautas
as notas juntam-se numa só.
Os músicos levantam-se
arrumam as estantes
guardam os instrumentos
tomam um cálice de porto
pagam-lhes
vão-se embora
o tigre não lhes faz mal
os tigres gostam de música.
Estou a uma janela alta
olho o vento dando nas árvores
levantando lixos e versos.
8
Quando o amor me faz mal
vou ver as marés.
A Lua é alta e argentina
ilumina o céu diamantino
de estrelas picotado
como o manto do mágico.
O mundo é muito bonito
ao contrário do amor.
9
Todos os dias começo.
É o único segredo da minha vida.
Era.
Já não é.
Falo-te.
Digo-to.
10
As lâvestóris e os desquites riscam os céus
como pretos pássaros contra o fulgor do entardecer.
Trocas de filhos e de endereços sujam as manhãs.
Domingam as igrejas seus noivos de alto de bolo.
Rubicundos empreiteiros estoiram de vinho no banquete.
Todos andamos ao cartão pelas ruas.
A ética comercial acende luzes nas noitinhas mansas.
Os buracos das ruas aleijam por baixo os carros.
Tudo é um jazz tão triste e tão bonito.
Mulheres carnudas como frutos inquietam polícias.
Todos juntos cada por si reescreveremos
a História do Desamor ao Colo do Desemprego.
O vento baterá as ruas como um cão transparente.
Sabemos tão pouco viver tão bem morrer.
Passo pelas igrejas e amaldiçoo o Senhorio.
O Senhorio sim esse riscador dos céus.
11
O meu amor tem por vezes febre como um menino.
Apanhou muito sol queima-lhe a cabeça.
Dele é o olhar doloroso a boca crestada.
Tremem-lhe as mãos que o escrevem.
12
Tenho tirado móveis velhos do meu coração.
Queimo-os no pátio da minha cabeça.
13
E a impiedosa alegria das crianças andorinhando
pelos azulejos da água exposta ao vento?
E a maravilhosa folia das danças flutuando
pelos desejos da mágoa imposta ao tempo?
Os teus olhos na minha cara.
Gosto deles: são de uma pureza triste.
Agrada-me deles a tristeza pura.
Que nos amemos para sempre
parece-me indiferente.
A diferença está nesses olhos
não na minha cara
sequer na minha vida deitada
fora
e longe.
2
Vou muito a sítios povoados da tua falta.
Às vezes levo nos braços o coração como a um
bebé morto.
Gosto de ver o comércio dos outros.
Não me lembro se te disse o que sinto
quando o vento nas árvores
depois na água.
Talvez algures to tenha deixado
escrito.
Não sei.
3
Sei tão pouco.
Às vezes estou na pastelaria
e a folha em branco diz-me
– Não me toques.
Di-lo com a tua voz
e olha-me na cara
com os teus olhos.
Então
toco-a.
4
Somos
um homem
uma mulher.
Nada nos falta
para sermos sozinhos
no mundo.
5
Não somos
um homem
e
uma mulher.
Tudo nos falta.
6
Peuplé de t’absence.
Peuplé de ma faute.
7
O meu peito é uma lixeira.
Também é um salão de grandes lustres suspensos
na noite setecentista.
Há um quarteto de cordas com flautista.
Não és a flautista.
És a mulher de outro homem.
Tomaste já duas contas de champanhe.
Seduzes aqui e ali
este e aquele.
Há uma bailarina com cobras no interlúdio.
Há um tigre no jardim relvado.
Não podemos sair do meu peito por causa do tigre.
O tigre esgatanha bocados de lixo.
Quero ler música
sento-me perto dos instrumentistas
não consigo distinguir as pautas
as notas juntam-se numa só.
Os músicos levantam-se
arrumam as estantes
guardam os instrumentos
tomam um cálice de porto
pagam-lhes
vão-se embora
o tigre não lhes faz mal
os tigres gostam de música.
Estou a uma janela alta
olho o vento dando nas árvores
levantando lixos e versos.
8
Quando o amor me faz mal
vou ver as marés.
A Lua é alta e argentina
ilumina o céu diamantino
de estrelas picotado
como o manto do mágico.
O mundo é muito bonito
ao contrário do amor.
9
Todos os dias começo.
É o único segredo da minha vida.
Era.
Já não é.
Falo-te.
Digo-to.
10
As lâvestóris e os desquites riscam os céus
como pretos pássaros contra o fulgor do entardecer.
Trocas de filhos e de endereços sujam as manhãs.
Domingam as igrejas seus noivos de alto de bolo.
Rubicundos empreiteiros estoiram de vinho no banquete.
Todos andamos ao cartão pelas ruas.
A ética comercial acende luzes nas noitinhas mansas.
Os buracos das ruas aleijam por baixo os carros.
Tudo é um jazz tão triste e tão bonito.
Mulheres carnudas como frutos inquietam polícias.
Todos juntos cada por si reescreveremos
a História do Desamor ao Colo do Desemprego.
O vento baterá as ruas como um cão transparente.
Sabemos tão pouco viver tão bem morrer.
Passo pelas igrejas e amaldiçoo o Senhorio.
O Senhorio sim esse riscador dos céus.
11
O meu amor tem por vezes febre como um menino.
Apanhou muito sol queima-lhe a cabeça.
Dele é o olhar doloroso a boca crestada.
Tremem-lhe as mãos que o escrevem.
12
Tenho tirado móveis velhos do meu coração.
Queimo-os no pátio da minha cabeça.
13
E a impiedosa alegria das crianças andorinhando
pelos azulejos da água exposta ao vento?
E a maravilhosa folia das danças flutuando
pelos desejos da mágoa imposta ao tempo?
Caramulo, tarde de 12 de Outubro de 2007
2 comentários:
Olá Daniel,
Cheguei agora do Manuel onde li um poema que me enterneceu, vim andando e ... que bela forma de sentir a vida nua e crua, pura. Pois nao são, poemas de amor, são as mais belas formas de sentir - estas correntes de escrita.
O Caramulo,
deve ser inspirador.
Um abraço, bom Domingo
Bom Domingo, Alex. Obrigado.
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